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  • Corte reconheceu omissão do Congresso na criação do tributo, mas não impôs prazo para solução
  • Especialistas divergem da posição da maioria do Supremo

A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de reconhecer a omissão do Congresso Nacional em regulamentar o IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas), nesta quinta-feira (6), foi recebida com ceticismo por tributaristas.

Para eles, a ausência de um prazo para que o Legislativo aprove a lei complementar necessária à criação do tributo esvazia os efeitos práticos do julgamento.

“O julgamento produz um efeito mais simbólico do que concreto, pois não impõe consequência jurídica efetiva ao Congresso”, afirma Daniela Borges, advogada.

Segundo Daniela, a decisão da maioria foi equivocada, pois a competência da União para instituir o IGF é facultativa e não obrigatória, de modo que a ausência da lei complementar não configura omissão constitucional.

Aurélio Longo Guerzoni, tributarista do escritório Guerzoni Advogados, compartilha da crítica.

“Inexiste na Constituição regra obrigando a União a criar determinado tributo. O que há é o dever de promover a redução das desigualdades sociais. Para tanto, a União dispõe de autonomia para deliberar sobre os instrumentos tributários mais adequados a esse fim, tanto que a chamada tributação de altas rendas está em vias de ser implementada”, diz.

Para ele, a decisão se configura como uma advertência institucional que preserva a autonomia do Poder Legislativo para deliberar sobre o tema conforme a conveniência política do momento.

De acordo com Gabriel Marques, professor de direito constitucional da UFBA (Universidade Federal da Bahia), a efetividade prática da decisão é mesmo uma incerteza.

“Essa é uma decisão que é motivo de celebração, mas uma celebração cautelosa, pois o tema teve um avanço ao reconhecer a inconstitucionalidade por omissão, mas esse avanço foi parcial, já que não se sabe quando e como vai acontecer essa regulamentação”, afirma.

O STF concluiu, por maioria, que o Congresso tem deixado de cumprir seu papel ao não regulamentar o imposto ao longo de mais de três décadas. Ainda assim, os ministros decidiram que a correção dessa omissão deve ocorrer no campo político, ou seja, caberá ao próprio Congresso decidir se e quando vai aprovar a lei, sem imposição de prazos pelo Supremo.

O IGF é um imposto de competência da União, ou seja, só pode ser criado pelo governo federal. A ideia é que ele incida sobre grandes patrimônios, como imóveis, aplicações financeiras e outros bens, acima de um determinado valor.

Apesar de constar na Constituição, o tributo não foi instituído, porque depende de uma lei complementar que nunca chegou a ser aprovada. Diversas propostas de regulamentação já foram apresentadas, mas nenhuma teve avanço significativo.

A ADO 55 foi apresentada pelo PSOL em 2019 e começou a ser analisada pelo STF em 2021, no plenário virtual. O relator original da ação foi o então ministro Marco Aurélio Mello, que votou pelo reconhecimento da omissão do Congresso antes de se aposentar, mas defendeu que não fosse fixado um prazo para a regulamentação.

O julgamento acabou interrompido após um pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes, e a ação só voltou à pauta agora, no plenário físico, sob a presidência de Alexandre de Moraes.

Na sessão desta quinta-feira (6), a maioria dos ministros acompanhou o entendimento de Marco Aurélio, reconhecendo a omissão, mas sem impor prazo ao Legislativo. Votaram nesse sentido os ministros Cristiano ZaninCármen LúciaDias ToffoliKassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes.

Flávio Dino também reconheceu a omissão do Congresso, mas divergiu da maioria ao defender que o Supremo estipulasse um prazo de 24 meses para que a regulamentação fosse feita.

O ministro Luiz Fux foi o único a divergir integralmente. Para ele, não houve omissão constitucional, mas sim uma escolha política legítima do Congresso. Em sua avaliação, o Judiciário deve respeitar essa opção e se abster de interferir.

O ministro André Mendonça não participou do julgamento por ter sucedido Marco Aurélio Mello, relator da ação. Os ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin também não participaram.

Durante a sessão, ministros também reconheceram os desafios políticos e econômicos envolvidos na criação do tributo, como a fuga de capitais.

Cristiane Tamy Herrera, sócia fundadora do Sanmahe Advogados, diz que o avanço de projetos voltados à tributação dos contribuintes de alta renda tende a provocar um movimento de mudança de residência fiscal por parte dos chamados super-ricos, com o deslocamento de recursos para o exterior em vez de serem investidos no Brasil, o que pode comprometer o crescimento econômico, a geração de empregos e a própria arrecadação governamental.

Para Letícia Schroeder Micchelucci, sócia do escritório Loeser Hadad Advogados, ainda que sem efeitos imediatos, a decisão reforça a tendência de recomposição da carga tributária, com possível deslocamento do peso sobre o consumo e produção para a renda e o patrimônio.

Via Folha de São Paulo