Entende-se por diferimento a postergação da exigibilidade do imposto para etapa posterior de circulação da mercadoria. Segundo Sacha Calmon Navarro Coelho, o diferimento do ICMS ocorre quando “o lançamento e o pagamento do imposto incidente sobre a saída de determinada mercadoria é transferido para etapa ou etapas posteriores de sua comercialização, ficando o recolhimento do tributo a cargo do contribuinte destinatário, que pode ser o mesmo ou um terceiro”. Assim, conforme julgamento da Primeira Turma do STF, no RE 112.354-6, “do diferimento não resulta eliminação ou redução do ICM; o recolhimento do tributo é que fica transferido para momento subsequente”.
O diferimento pode envolver outros institutos, como é o caso da substituição tributária relativa a operações antecedentes ou “para traz”. Entende-se por substituição tributária a translação da sujeição passiva para pessoa diversa do contribuinte. Conforme define o art. 121, parágrafo único, I, do CTN contribuinte é a pessoa que tem relação pessoal e direta com a situação fática que constite o respectivo fato gerador.
Já a substituição tributária está prevista no art. 128 do Código Tributário Nacional: “a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”.
O contribuinte do imposto está definido implicitamente na norma de incidência tributária. Isto é, se o contribuinte é aquele que “tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o fato gerador”, basta determinar o fato gerador que teremos identificado o contribuinte – e.g. se o fato gerador do imposto é a propriedade, a auferição de renda ou a circulação de mercadoria, o contribuinte não pode ser outro senão o proprietário, quem aufere a renda ou quem promove operações de circulação de mercadorias. Porém, a lei pode atribuir a responsabilidade pelo recolhimento do imposto a terceiro diverso do contribuinte, embora vinculado ao fato gerador (fonte pagadora, adquirente da mercadoria etc.).
De modo geral, o diferimento do imposto para operação subsequente implica substituição tributária, na medida em que a pessoa obrigada ao recolhimento (adquirente da mercadoria) é pessoa diversa do contribuinte (pessoa que procede à saída da mercadoria de seu estabelecimento). No caso do adquirente promover nova saída tributada, por valor igual ou superior ao da entrada, o imposto que foi diferido estará incluso no imposto devido na operação subsequente ou – na linguagem utilizada pelo legislador – o imposto diferido subsume-se no imposto devido na operação subsequente.
Por outro lado, a exoneração tributária é matéria submetida à reserva absoluta de lei. O financiamento do Estado é obrigação de todos, na medida de suas respectivas capacidades contributivas. Logo, somente a lei (em sentido estrito) pode dispensar a obrigação tributária. Jamais decreto ou decisão de autoridade administrativa poderia fazê-lo. No caso do ICMS, o constituinte impôs ainda a disciplina dos convênios para o exercício da competência exonerativa. A regra encontra-se insculpida no § 6° do art. 150 da Lei Maior:
“§ 6° Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2°, XII, g”.
Por conseguinte, o imposto que foi diferido deve tornar-se exigível em algum momento. Caso contrário, o diferimento transmutar-se-ia em isenção, o que não é possível. Somente convênio celebrado entre os Estados e o Distrito Federal, nos termos da Lei Complementar 24/75, poderia autorizar a dispensa do tributo. Assim, o ICMS diferido deve ser exigível em algum momento. Caso o imposto diferido não tenha sido recolhido em algum momento no futuro, ele deve ser cobrado de ofício, com os acréscimos legais, sem prejuízo do competente inquérito administrativo para apurar a responsabilidade do funcionário que autorizou a dispensa do pagamento.
Mas, quando é devido o ICMS diferido?
O ICMS, por força do disposto no art. 155, § 2°, I, da Constituição Federal, é um imposto plurifásico não-cumulativo. Isto significa que incide em todas as etapas de comercialização da mercadoria, mas o imposto a recolher, em cada etapa, corresponde à diferença entre o imposto devido e o que foi pago nas etapas anteriores.
Então, o imposto que foi diferido em uma etapa da comercialização não gera crédito para a operação subsequente. A legislação diz que se subsume na operação seguinte, no sentido de que parte do ICMS então recolhido nada mais é senão o ICMS diferido.
Dispõe o RICMS-SC que “o imposto devido por substituição tributária subsumir-se-á na operação tributada subsequente promovida pelo substituto”. Se não houver operação tributada subsequente, o destinatário (substituto tributário) deve recolher o imposto que foi diferido, salvo se a operação subsequente for isenta ou não tributada ou se ocorrer qualquer evento que impossibilite a ocorrência do fato gerador do imposto.
Mas, o que ocorre se o imposto devido pela operação subsequente não for suficiente para cobrir o ICMS que foi diferido? Seria, por exemplo, o efeito de uma redução da base de cálculo. Como diferimento e isenção não se confundem, o imposto diferido (=postergado) deve ser satisfeito.
“Subsumir”, conforme Dicionário Aurélio, vem de sub- + lat. sumere (tomar, colher, aceitar). Significa conceber um indivíduo como compreendido numa espécie ou uma espécie como compreendida em um gênero. Por conseguinte, “subsumir” refere-se à absorção da parte no todo ou do menor no maior.
Ora, se o imposto devido não for suficiente para cobrir o imposto diferido, então não há absorção do diferido pelo imposto devido na operação. Em outras palavras, não há subsunção. Como – segundo o STF – do diferimento não resulta eliminação ou redução do imposto, infere-se que a parcela do imposto diferido que não se subsumiu na operação subsequente deve ser recolhida.
Com efeito, a dispensa de recolhimento do imposto diferido – quando este não se subsumir completamente na operação subsequente – caracterizaria, de fato, uma isenção a qual somente poderia ter sido instituída por lei e mediante prévia autorização pelo Confaz.
Em síntese, como diferimento não se confunde com isenção, ele deve ser recolhido em algum momento posterior, subsumindo-se no imposto devido ou, se for o caso, recolhido separadamente pelo substituto tributário.
À evidência, quando o RICMS-SC dispõe que o imposto diferido deve ser pago juntamente com o imposto relativo à operação subsequente, fica implícito que a “subsunção” do imposto pressupõe que o imposto devido na operação subsequente seja maior que o diferido (ou seja, se o imposto não tivesse sido diferido, seria deduzido como “crédito”). Caso contrário – o imposto diferido ser maior que o imposto relativo à operação subsequente – a parcela do imposto diferido que exceder o imposto próprio da operação deverá ser recolhida, sob pena de exonerar parcela do imposto devido, sem lei ou convênio que o autorize.
Via Blog Direito Tributário em Debate – Por Velocino Pacheco Filho