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A reforma tributária constitucionalizada pela Emenda Constitucional nº 132/2023, já está em processo de construção, formando um novo sistema de tributação sobre o consumo. Já foi editada a Lei Complementar nº 214/2025, que instituiu os tributos IBS, CBS e IS, além de promover outras alterações da legislação tributária. Está ainda em fase de debate e ajustes do texto o PLP nº 108/2024, no Congresso Nacional, com o objetivo de se chegar a uma versão final para a sua conversão em lei complementar, lei esta que instituirá o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS), e irá dispor sobre o processo administrativo tributário relativo ao lançamento de ofício do Imposto sobre Bens e Serviços — IBS, entre outras disposições inerentes à reforma tributária.

Neste artigo se pretende fazer uma análise do processo administrativo tributário, fase contenciosa, estruturado para oferecer o direito de defesa e contraditório [1] ao contribuinte no novo sistema tributário sobre o consumo, demonstrando o necessário ajustamento para prestigiar o princípio da isonomia entre o julgamento do IBS e CBS nos julgamentos do contencioso, mais especificamente, com relação às condições de exclusão da multa do lançamento de ofício.

No novo modelo tributário o contencioso administrativo, com relação à CBS e IBS, será estruturado de modo que os processos relacionados à impugnação da CBS, tributo de competência da União, tramitarão nos órgãos de julgamento atualmente existentes, sob o regramento do Decreto nº 70. 235/72, até a última instância do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

Já o IBS, de competência compartilhada entre os estados, Distrito Federal e municípios, terá seu contencioso administrativo próprio instituído pelo PLP nº 108/2024, ainda não convertido em lei complementar, no contexto do Comitê Gestor do IBS (CC-IBS), passando por três instâncias, sendo que a última instância, de competência judicante do Conselho Superior do IBS, terá por finalidade uniformizar a jurisprudência deste imposto.

Este era o cenário antes do texto substitutivo apresentado pelo relatório do PLP nº 108/2024 do relator Eduardo Braga, que chegou ao exame da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) em 17 de setembro de 2025.

Com esta proposição do contencioso, em que as lides tributárias transitam por estruturas de órgãos de julgamento diversos, era de se esperar que ocorressem decisões divergentes com relação ao IBS e CBS, sobre a mesma matéria e fatos, gerando uma insustentável insegurança jurídica, considerando que os dois novos tributos são de uma mesma natureza jurídica; nascem a partir do mesmo fato gerador e têm a mesma base tributária. A dualidade IBS-CBS é apenas um mecanismo jurídico para preservar o mínimo de autonomia financeira dos entes tributantes subnacionais. Criou-se então o denominado IVA dual. Portanto, não haveria sentido a manutenção de um sistema de controle administrativo da legalidade dos atos fiscais, com soluções das lides tributárias com dissenso nos julgamentos.

A solução para este imbróglio foi a criação de uma quarta instância de julgamento, tanto para o IBS como para a CBS, por meio do texto substitutivo do PLP nº 108/2024, inserindo na Lei Complementar nº 214/2025, a norma uniformizadora da jurisprudência administrativa, com relação à legislação comum aos dois tributos, instituindo a Câmara Nacional de Integração do Contencioso Administrativo do IBS e da CBS com competência para proferir este julgamento uniformizador.

No entanto, restou outro problema relacionado à uniformização das decisões no plano administrativo, agora com relação à multa exigida via lançamento de ofício, no caso de voto de desempate do presidente das câmaras de julgamentos.

Ocorre que, segundo o § 9º [1] do artigo 25, do Decreto nº 70.235/72, na hipótese de julgamento resolvido a favor da Fazenda Pública, com voto de qualidade, exclui-se a multa do lançamento, além de vedar a representação fiscal para fins penais. Como a CBS será julgada sob o regramento deste decreto, todas as decisões do Carf favoráveis à União, com o voto de desempate do presidente, favorecerão o contribuinte com a exclusão da multa e da não representação fiscal.

Entendimento do relator do projeto

O PLP nº 108/2024, que regula o processo administrativo do IBS, não contém esse benefício no caso de voto de desempate do presidente da câmara de julgamento que proferirá a decisão final. Nem mesmo a quarta instância uniformizadora da jurisprudência entre o IBS e CBS terá a competência para essa uniformização com relação à multa, pois que o Decreto nº 70.235/72, trata exclusivamente do processo administrativo relacionado aos tributos federais, não podendo ser aplicado ao IBS.

Causa estranheza que o relator do texto substitutivo do PLP nº 108/2024, em seu relatório, informa ter suprimido da versão original o dispositivo da exclusão da multa em caso de voto de desempate do presidente da Câmara ou de Turma. Diz o relator:

“A nosso ver, a exclusão automática de penalidades em hipóteses de empate estimula o prolongamento artificial dos litígios e fomenta a judicialização estratégica.”

Deve ter passado desapercebido pelo relator que esse dispositivo visava conferir tratamento isonômico entre o julgamento administrativo do IBS e CBS e que a sua supressão causará distorções com tratamentos desiguais nos julgamentos, o que contraria um dos principais fundamentos da reforma tributária, que é a segurança jurídica.

Extensão dos benefícios ao contencioso do IBS

O ajuste normativo neste ponto é necessário. Sabe-se que no contexto do debate que se travava sobre o polêmico voto de qualidade do Carf, restou sedimentado o entendimento que pressupõe a existência de dúvida quanto à procedência do lançamento impugnado no caso da votação dividida que exige o voto de desempate, justificando a exclusão da multa com respaldo jurídico no artigo 112, do Código Tributário Nacional. Ainda que no processo administrativo tributário do IBS regulado pelo PLP nº 108/2024 não haja o voto de qualidade nos moldes do processo dos tributos da União, com exceção para a Câmara Nacional de Integração do Contencioso Administrativo do IBS e da CBS, em que o presidente terá voto de qualidade, haverá voto de desempate do presidente nas demais câmaras de julgamento, que também deverá atrair o benefício da dúvida como fundamento para a exclusão da multa nesta circunstância.

A expectativa é que essa distorção seja solucionada na análise final do projeto de lei e que os mesmos benefícios atribuídos ao contribuinte da CBS no julgamento do processo administrativo também sejam estendidos ao contencioso administrativo do IBS, visando preservar os princípios da isonomia, sob pena de se fomentar um ambiente de incentivo à litigiosidade.


[1] O direito à defesa e contraditório no âmbito do processo administrativo tem previsão constitucional no art. 5º, LV.
“Art. 5º […]
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”
§[i] 9º-A. Ficam excluídas as multas e cancelada a representação fiscal para os fins penais de que trata o art. 83 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, na hipótese de julgamento de processo administrativo fiscal resolvido favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade previsto no § 9º deste artigo.(Incluído pela Lei nº 14.689 , de 2023)

  • Deonísio Koch é advogado tributarista, professor de Direito Tributário, ex-conselheiro do Tribunal Administrativo Tributário de Santa Catarina (TAT) e ex-auditor fiscal estadual.

Via Conjur