Acomodar despesas não previstas no Orçamento é desafio do próximo eleito

Economistas das campanhas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) defenderam nesta quinta-feira (15) uma flexibilização das regras fiscais para acomodar uma série de despesas não previstas pelo governo na proposta orçamentária de 2023, o que pode demandar uma nova PEC (proposta de emenda à Constituição).

A medida funcionaria como uma espécie de licença temporária para executar ações como um Auxilio Brasil de R$ 600 no ano que vem, antes da definição de uma nova regra para substituir o teto de gastos –que impede os gastos federais de crescerem acima da inflação, limite criticado por quase todos os candidatos.

O economista Guilherme Mello, representante do PT, cita cálculos que apontam para R$ 430 bilhões em riscos fiscais, despesas adicionais, perdas de arrecadação e custos financeiros que devem ser observados pelo próximo governo.

Só em despesas, a estimativa é de pelo menos R$ 120 bilhões em gastos não cobertos no Orçamento e que precisarão ser acomodados para evitar um apagão em programas sociais.

A conta foi divulgada pelos economistas Bráulio Borges e Manoel Pires em boletim do Ibre/FGV e inclui o custo para assegurar a manutenção de um benefício mínimo de R$ 600 para as famílias do Auxílio Brasil. Hoje, a proposta de Orçamento contempla um benefício médio de apenas R$ 405,21.

“Em 1º de janeiro, se a gente não fizer nada, a gente cria um abismo social, e a gente precisa evitar que isso ocorra. É impensável voltar com um auxílio de R$ 400”, disse Mello. “Acho que uma PEC vai ter que ser aprovada, porque o problema está no teto de gastos”, complementou.

Nelson Marconi, economista da campanha de Ciro, considera necessária uma norma fiscal provisória para atravessar o ano de 2023. “Evidente que você não pode deixar de pagar auxílio. Vai ter que ter uma regra temporária para o ano que vem”, disse.

Ele ressaltou, no entanto, que a licença não implicará necessariamente uma piora nos indicadores fiscais. O economista disse ser possível, em contrapartida aos maiores gastos, revisar subsídios tributários, retirar produtos desnecessários da desoneração da cesta básica e cancelar as emendas de relator (instrumento usado pelo Palácio do Planalto como moeda de troca nas negociações com o Congresso).

Mello e Marconi participaram nesta quinta de seminário organizado pelo Cofecon (Conselho Federal de Economia) com assessores econômicos dos candidatos à Presidência, seguido de entrevista coletiva.

As campanhas dos candidatos Jair Bolsonaro (PL), Simone Tebet (MDB), Luiz Felipe D’Ávila (Novo) e Soraya Thronicke (União Brasil) também foram convidadas para participar do evento, mas não indicaram nenhum representante.

O ministro Paulo Guedes (Economia), no entanto, já deu declarações no sentido de flexibilizar as regras fiscais para ampliar gastos no ano que vem.

Ele declarou que o benefício mínimo de R$ 600 para o Auxílio Brasil será pago em 2023 e chegou a citar a possibilidade de decretar calamidade ou prorrogar o atual “estado de emergência”, criado para abrir caminho à ampliação de gastos neste ano, como solução temporária para o impasse.

“É evidente que nós vamos pagar. Tem uma solução temporária. Se a Guerra da Ucrânia continua, prorroga o estado de calamidade, e aí você continua com R$ 600”, afirmou Guedes no começo do mês. Procurado, o Ministério da Economia preferiu não comentar.

No próprio envio do Orçamento, o governo também incluiu uma mensagem se comprometendo a negociar com o Congresso uma solução para o tema.

Elena Landau, integrante da campanha de Tebet, afirmou à Folha que há necessidade de uma flexibilização fiscal em 2023, mas defende que ela seja a menor possível.

“Não gosto da palavra de waiver [perdão ou licença, nesse caso para gastar] porque parece que você está abrindo uma série de excepcionalidades. Nossa discussão é só a gente incorporar os R$ 200 do Auxílio Brasil [para chegar nos R$ 600]. É a menor flexibilização possível”, disse.

Além disso, ela considera indispensável implementar uma ampla revisão dos números de 2023. “Como veio esse Orçamento completamente inviável, com prioridades invertidas, desonerações indevidas, a gente acha que nesse momento temos que, ganhando a eleição, rever todo o Orçamento mesmo”, afirmou Landau.

A pressão por uma recomposição desses gastos na tramitação do Orçamento já colocou o pedido de uma licença para gastar no radar de analistas do mercado. Essa autorização é tida como necessária para o próximo presidente conseguir atravessar o ano de 2023 enquanto se discute um ajuste estrutural nas regras fiscais.

O tamanho da licença para gastos extras em 2023 é, para o mercado financeiro, uma das grandes incógnitas do Orçamento. Entre analistas, há a percepção de que a licença não pode ser um “trem da alegria” para atender a todos os anseios por mais despesas, sob pena de minar a credibilidade da trajetória fiscal já no início do governo.

Representantes do PT defendem desde o fim do ano passado, pelo menos, a adoção de uma regra fiscal que substitua o teto de gastos, embora o desenho a ser proposto em caso de vitória de Lula ainda não seja conhecido.

Enquanto isso, o Ministério da Economia também estuda uma nova âncora, baseada na dívida pública. A lógica da proposta é permitir um aumento dos gastos acima da inflação quando o endividamento estiver abaixo de determinado patamar.

Mello afirma que o PT ainda não discutiu internamente qual será a nova regra e que isso dependerá do cenário político do ano que vem. Para ele, no entanto, o novo arcabouço fiscal precisará respeitar princípios como credibilidade, previsibilidade, transparência e flexibilidade.

Ele também acredita ser importante manter um viés anticíclico da regra, ou seja, que ela permita uma atuação governamental para atenuar os efeitos dos ciclos econômicos –minimizando efeitos negativos de uma recessão, por exemplo.

Já Marconi defende a manutenção de uma regra que foque no controle de despesas, embora diferente do atual teto de gastos. Para o economista da campanha de Ciro, é preciso permitir um crescimento das despesas em ritmo acima da inflação. Essa âncora seria associada a outra regra que busque controlar a dívida pública.

Fonte:Folha de São Paulo