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Particularidades submetidas à apreciação do STF e do STJ

Em dezembro de 2017, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou o Tema 986 à sistemática de julgamento de Recursos Repetitivos, cuja questão submetida a julgamento foi a inclusão da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica (TUST) e da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica (TUSD) na base de cálculo do ICMS cobrado nas faturas de energia elétrica.

Portanto, neste precedente a ser firmado, o STJ definirá se as mencionadas tarifas integram a base de cálculo do ICMS, compondo o conceito de “operações relativas à circulação de mercadorias”, nos termos do art. 1º, da LC 87/96 (Lei Kandir).

A esse respeito, cabe mencionar que o Supremo Tribunal Federal (STF), em agosto de 2017, ao apreciar o leading case RE 1.041.816 (Tema 956), entendeu pela ausência de repercussão geral sobre a temática, afirmando tratar-se a inclusão das TUST e TUSD na base de cálculo do ICMS de matéria infraconstitucional.

Ocorre que em junho 2022 foi promulgada a Lei Complementar 194 pelo governo federal, que alterava o art. 3º da Lei Kandir, incluindo o inciso X, para que houvesse a expressa retirada das TUST e TUSD, e encargos setoriais, da base de cálculo do ICMS cobrado nas faturas de energia elétrica em todo o país. 

Contudo, em que pese anteriormente o STF tenha se pronunciado no sentido de que o tema tratava de matéria infraconstitucional, ao apreciar a ADI 7.195, o relator ministro Luiz Fux deferiu o pedido de tutela cautelar para suspender os efeitos do inciso X, do art. 3º da Lei Kandir, nos termos da redação trazida pela LC 194/2022, tendo sido seguido, por maioria, pelo tribunal, ratificando-se o deferimento da tutela. O argumento utilizado pelo ministro a justificar a concessão da tutela foi a suscitação de dúvida a respeito da competência da União para legislar a respeito da constituição da base de cálculo de ICMS, ainda que por Lei Complementar.

A delimitação da base de cálculo e a alíquota do ICMS cobrado nas faturas de energia elétrica têm sido reiteradamente levadas a juízo, como, por exemplo, relativamente ao Tema 745 do STF, que determinou que a incidência de alíquota majorada de ICMS violaria os princípios constitucionais da seletividade e da essencialidade, esculpidos no texto constitucional. Neste julgamento, os contribuintes sagraram-se vencedores, e, em razão disso, a promulgação da LC 194/2022, num primeiro momento, foi entendida como um indício de que no Tema 986 do STJ também sairiam exitosos.

Isso porque a Lei Complementar, na esteira do que restou decidido no Tema 745 do STF, atestou que a energia elétrica, as comunicações, os combustíveis, o gás natural, e o transporte coletivo são considerados bens e serviços essenciais e indispensáveis, não podendo ser tratados como supérfluos, razão pela qual sobre tais operações não se pode praticar alíquotas em patamar superior ao das operações em geral do Estado, em observação à essencialidade destes bens e serviços.

Da mesma forma, a LC 194/2022, ao trazer o inciso X, ao art. 3º, da Lei Kandir, teria aderido, em princípio, à tese debatida pelos contribuintes no Tema 986 do STJ, que visa justamente o reconhecimento da não incidência do ICMS sobre as TUST e TUSD, rubrica expressamente retirada da base de cálculo do ICMS apurado nas faturas de energia elétrica pela Lei Complementar.

Entretanto, o imbróglio causado pelo deferimento da medida cautelar na ADI 7.195 trouxe bastante preocupação aos contribuintes. Apesar de que a temática central sendo avaliada pelo STF na referida ADI seja a constitucionalidade ou não de Lei Complementar Federal versar sobre a constituição da base de cálculo do ICMS, em contraponto à competência dos Estados, e o Tema 986 versar sobre a constituição da base de cálculo das operações de circulação de energia elétrica, não se pode precisar em que medida o julgamento da ADI poderá influenciar a Corte Superior quando da apreciação do Tema 986 dos Recursos Repetitivos.

Em princípio, são distintos os pontos de avaliação levado a cada uma das cortes. Contudo, o voto do ministro relator da ADI 7195, ressalta a alegação dos estados no sentido de que haverá grande perda arrecadatória com a declaração da constitucionalidade do inciso X, inserido no art. 3º, da Lei Kandir. O questionamento prevalescente, caso esse seja um dos argumentos de mais peso para o eventual julgamento pela procedência da ADI, é o de se o Superior Tribunal também não considerará este fundamento para não revisar a base de cálculo do ICMS cobrado nas faturas de energia elétrica.

Fato é que o STF é um tribunal jurídico, mas também político e, através dos anos, especialmente em matéria tributária, tem apresentado a postura de sempre levar em consideração a consequência das suas decisões, em especial no tocante à perda arrecadatória dos entes federativos. Exemplo dessa postura é as modulações dos efeitos de suas decisões, inclusive de forma prospectiva, como ocorreu no julgamento do Tema 745 (com efeitos para 2024).

Ademais, alguns estados, como Minas Gerais por meio do Decreto 48.482/2022, já haviam editado decretos legislativos internalizando o que determinava a LC 194/2022, para que houvesse a retirada expressa das tarifas e encargos setoriais da base de cálculo do ICMS. Com o deferimento da tutela cautelar na ADI 7195, Minas Gerais, mais do que prontamente, revogou o decreto anterior por meio do Decreto 48.572/2023, e outros estados se manifestaram no sentido de que tomariam providências semelhantes.

Apesar de toda a sequência de atos legislativos e judiciais acima descritos, as ações propostas por contribuintes, que visam a retirada das TUST e TUSD da base de cálculo do ICMS cobrado nas suas faturas de energia elétrica, não devem sofrer qualquer modificação em sua tramitação regular, uma vez que o objeto da ADI é especificamente a LC 194/2022 e a competência (ou não) da União para legislar a respeito da base de cálculo do ICMS, não afetando a legislação interna de cada Estado. Isso quer dizer que para aquelas ações em que havia sido deferida a liminar para suspensão da cobrança do ICMS sobre as tarifas, caso os estados tenham internalizado a LC 194 e, posteriormente, revogado, como ocorreu em Minas Gerais, o cumprimento das liminares deve voltar a ocorrer com a volta das cobranças.

Via Jota