Diante de falta de clareza dos presidenciáveis nessa área, empresas avaliam estratégia de planejamento fiscal

Com o segundo turno da eleição presidencial marcado para o próximo domingo (28), as propostas dos candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) para o sistema tributário brasileiro são observadas com atenção por consultores e empresas.

A expectativa é de que quem quer que saia vitorioso mobilize, já no início do governo, sua equipe e aliados para tentar avançar com mudanças no sistema de impostos como parte dos esforços para fechar a conta entre gastos e arrecadação pública. Enquanto os candidatos estudam os meios de promover o ajuste fiscal, a classe empresarial avalia o impacto dessas medidas em suas estratégias tributárias.

A despeito das diferenças ideológicas, as plataformas de governo de Bolsonaro e Haddad têm um ponto em comum: a ausência de detalhes sobre suas propostas de política tributária. Os dois candidatos apresentaram linhas gerais sobre a questão durante a campanha eleitoral que se encontram na defesa de um sistema menos burocrático (saiba mais sobre as propostas de privatização dos presidenciáveis aqui).

Com uma linha econômica liberal, o candidato do PSL propõe uma “radical” simplificação do sistema tributário nacional com a gradativa redução da carga total. Entre as diretrizes dessa política estão a unificação de tributos federais, a descentralização e municipalização de impostos, a introdução de um imposto de renda negativo e até a ideia de criar uma alíquota única de 20% para rendimentos acima de cinco salários mínimos.

Apesar de defender a redução da carga tributária e de seu programa já ter sido comparado à reforma tributária elaborada pelo governo de Donald Trump, nos Estados Unidos, o plano de Bolsonaro não especifica quais impostos poderiam ser reduzidos ou cortados. A plataforma de Fernando Haddad (PT) também não apresenta detalhes minuciosos de uma proposta de reforma tributária, mas o plano de governo do ex-prefeito de São Paulo faz sinalizações significativas para o planejamento fiscal das empresas. Além de propor uma simplificação da estrutura de tributação direta com a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) e a reestruturação da tabela do imposto de renda de pessoa física, a proposta de Haddad inclui a tributação na distribuição de lucros e dividendos.

Mesmo com as incertezas diante das propostas dos presidenciáveis, o debate eleitoral tem fomentado a movimentação em escritórios especializados no planejamento de operações. “As nossa recomendação é mapear o cenário, as alternativas, para o caso de mudanças”, relata Maria Carolina Bachur, sócia do Lobo de Rizzo Advogados. A especialista em direito tributário observa que parte das ideias apresentadas em campanha já são contempladas em projetos de lei que tramitam pelo Congresso Nacional e que, a depender das condições políticas em 2019, podem ser retomadas pelo próximo governo.

O retorno do tributo sobre dividendos, derrubado no Brasil em 1996, é uma das propostas que tramita no legislativo e cujos efeitos já são estudados pelo mercado. Maria Carolina conta que sua equipe já foi consultada sobre a questão e que alguns grupos avaliam como tentar se organizar para diminuir os impactos se houver uma mudança nesse sentido. Entre os possíveis cenários analisados pela advogada estão a possibilidade de tributação apenas na última cadeia de distribuição de dividendos ou em todas as camadas de repartição, gerando incidências múltiplas de tributação. “Quando eu penso em um grupo societário que tem uma estrutura de holding, isso pode gerar uma ineficiência tributária se eu vier a ter um cenário de tributação de dividendos em cascata”, analisa. “O mercado já está começando a se perguntar se faz sentido manter as holdings ou não e qual é o efeito de acabar com as holdings, em que momento eu preciso fazer isso”.

Outra mudança que está no radar das empresas é o aumento da tributação sucessória, o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Maria Carolina observa uma antecipação de algumas operações, especialmente em grupos familiares, diante das discussões sobre a elevação do teto do imposto de 8% para 20%. “Tem muita gente olhando para isso e fazendo esse diagnóstico de o que pode causar uma ineficiência na estrutura do meu grupo se houver mudanças e como essa estrutura pode ser mexida para minimizar”, ressalta.

Apesar de apontar a tributação sobre dividendos e o aumento da alíquota de ITCMD como possibilidades reais, a sócia do Lobo de Rizzo observa que a carga tributária pode ser redistribuída de modo que a carga total não seja ampliada ou não. Ela explica que não há uma trava na Constituição que impeça que a tributação de dividendos seja feita com a redução da alíquota de imposto sobre rendimentos de pessoas jurídicas ou como uma tributação adicional e que essa definição pode variar de acordo com o posicionamento do próximo mandatário. “Com o que a gente tem hoje de arcabouço jurídico e com as manifestações dos candidatos, não dá para dizer que necessariamente eles teriam essa preocupação em preservar a carga total. O programa do Bolsonaro traz essa tônica de redução de impostos, mas o programa de Haddad está no outro sentido”, recorda.

Fernanda Sá Freire, sócia do Machado Meyer Advogados, avalia que a tributação de dividendos pode resultar na fuga de investimentos nas companhias abertas brasileiras e em uma diminuição de operações no mercado de capitais. Ela pondera que tanto o retorno desse imposto quanto a simplificação da estrutura tributária com a criação do IVA, por exemplo, já são debatidas independentemente das propostas de campanha. “O que se fala é que elas avançariam se fossem apresentadas ou votadas logo no início do governo, mas é difícil saber se serão implementadas. A gente precisa saber se elas se enquadram na política do novo presidente”, diz.

Para Fernanda a simplificação é uma das principais necessidades da classe empresarial. Ela acredita que a redução dos custos e do tempo investido com procedimentos burocráticos seria benéfica para o mercado. “É muito dinheiro gasto em informação para fins de fiscalização e a centralização dos tributos é algo que todo empresário quer”, comenta. Embora a demanda já esteja em pauta há anos, a advogada vê um crescimento na participação da iniciativa privada na elaboração de propostas tributárias em período eleitoral. Fernanda, no entanto, observa que a evolução dessa dinâmica em termos normativos também dependerá da capacidade de interlocução e da aderência do próximo governo para a apresentação dessas propostas.

A discussão sobre o projeto de lei que trata de mudanças na tributação de fundos de investimento é uma das questões tributárias que esbarra no planejamento de operações societárias que pode ser retomada em 2019. Até então, a alteração não foi abordada pelos candidatos ao segundo turno das eleições presidenciais.

Fonte: Lexis – Via Fenafisco