Presidente do Sindifisco-SC, José Antonio Farenzena, concedeu entrevista para desmentir o governador Carlos Moisés sobre a sonegação fiscal em Santa Catarina.

 

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Presidente do Sindifisco-SC, Jose Antonio Farenzena explica como é feito o combate à sonegação em SC. Foto: Flávio Tin/ND

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Presidente do Sindifisco-SC, José Antônio Farenzena explicou as razões que fizeram a entidade emitir a nota para repudiar as declarações do governador Carlos Moisés sobre a sonegação fiscal em Santa Catarina. Confira:

NDMais – Porque esse número de R$ 10 bilhões em sonegação dito pelo governador é irreal?

José Antonio Farenzena – A arrecadação estadual tributária atual é em torno de R$ 30 bilhões por ano. Isso significaria dizer que mais de um terço das operações não são acobertadas por documento fiscal ou são feitas de forma de irregular ou ilegal. Quando analisamos o contexto dos contribuintes de SC e do Brasil, percebemos que SC é o estado que tem o menor índice de inadimplência de contribuintes que recolhem tributos, que é em torno de 4%. Então, para nós, isso demonstra que o empresariado é sério e é referência no Brasil e que recolhe os tributos normalmente. São casos pontuais que demandam nossa atuação. O que o governador falou dá a entender que a sonegação é generalizada, e não é. Para alcançar a cifra de R$ 10 bilhões de imposto sonegado, precisaríamos de uma base de cálculo de mais de R$ 100 bilhões de operações clandestinas ou ilegais. Considerando que o PIB (2017) é de R$ 277 bilhões, metade dele teria sido irregular, o que não condiz com a realidade do nosso Estado. Os casos de sonegação existem, mas são pontuais em determinados setores. A maioria paga corretamente.  O governador não apresentou a metodologia de cálculo. É um governo novo, bem intencionado, com um secretariado preparado, mas para apresentar um número como este é preciso ter uma metodologia pronta e é isso que eles não explicaram.

NDMais – Qual teria sido o objetivo do governador ao falar um número?

Farenzena – Eu acredito que ele tenha ouvido esse número e não tenha refletido, até porque ele é um governador novo, sem experiência, e o direito tributário é muito complexo, envolve várias carreiras e setores, mais especialmente a dos auditores fiscais. O governador precisa conhecer um pouco mais a atividade que o Fisco desenvolve, a arrecadação, como funciona a sistemática. Isso não é demérito algum dele, isso é normal, até porque não tem nem um ano de governo e leva tempo para conhecer bem a questão tributária. De repente o que falta é uma ponte nossa, dos auditores fiscais, com o próprio governador, para explicar, conversar, mostrar os números. A gente está à disposição para ajudar.

NDMais – Como funciona a fiscalização e o controle?

Farenzena – Por exemplo, uma questão importante de SC são a dos grupos especialistas. Cada setor econômico é acompanhado por um grupo especialista. Hoje são 18 e tudo que não entra nesses grupos vai para um grupo específico de ação fiscal. Isso trouxe para o Fisco desde o início dos anos 2000 uma especialização absurda. Nenhum outro estado tem e esses colegas conhecem com maestria cada setor e tem base técnica para conversar. Muda um pouco aquele modelo antigamente de fiscalizar uma padaria, um mercado, uma farmácia, tudo simultaneamente.  Agora, a gente foca em cada setor e é por isso também que, considerando os 10 maiores itens da arrecadação, que correspondem a 80% da arrecadação, são muito bem controlados. A sonegação dos combustíveis, que respondem por R$ 4 bilhões em arrecadação, é praticamente zero. Tem problemas pontuais e é isso que temos tentado mostrar. O contribuinte catarinense é do bem, recolhe de forma correta. São casos pontuais que sonegam.  Cada setor é responsável por acompanhar um segmento da economia. Essa é uma revolução que foi feita aqui no Fisco, porque, por exemplo, quando fiscalizamos um posto de combustível, fiscalizamos toda a cadeia e não só a ponta. Para a fiscalização isso é espetacular por se conhece toda a cadeia produtiva até o varejo, que é a ponta. E te dá base para criar soluções inteligentes para a ponta, porque hoje a tributação é muito dinâmica. Essa especialização do Fisco faz com que a gente consiga acompanhar rápido essas inovações tecnológicas.

NDMais – Qual o perfil do contribuinte catarinense?

Farenzena – É o nosso orgulho, porque é um contribuinte bem interessado pela questão tributária, que dialoga com a Fazenda, com os auditores fiscais, que tenta trazer investimentos para SC. Isso também tem sido alavancado pela mudança de postura do Fisco que no passado era meramente punitivo, com multas. Com o diálogo, nos orientamos. Não podemos dizer jamais que só tem sonegador em SC. Não é verdade.  SC é um dos estados com menor taxa de inadimplência do país. É até um desrespeito com o contribuinte dizer que ele é um sonegador. Muitas vezes percebemos na prática que o descumprimento da legislação ocorre por erro ou desconhecimento e não por fraude, e por isso tentamos sempre orientar antes do que punir.

NDMais – Qual o perfil do sonegador?

Farenzena – A sonegação tributária é mais estruturada. São fraudes maiores, que envolvem mais agentes, que tem questões dolosas, com mais atores envolvidos.  Hoje, considerando que o controle é mais aprimorado, é mais difícil sonegar. Para sonegar é preciso ter uma estrutura mais complexa, institucional. Por isso que esses casos são escassos, pontuais.  O Fisco tem uma postura de respeitar muito o contribuinte, pois é quem está na ponta, gerando emprego e renda, arrecadando e ajudando o Estado a se desenvolver. Claro que, com aquele que sonega, a gente é mais incisivo. Tem casos e casos. O devedor contumaz é punido com mais rigor. Para aquele que errou, que não fraudou, é permitido, dentro da lei, que regularize de forma espontânea, pois não temos interesse em prejudicar o contribuinte.   A gente quer que todos recolham da mesma forma e se desenvolvam.

NDMais – E qual seria o número real de sonegação em SC?

Farenzena – Hoje, nós não temos um número fechado, porque cada setor econômico é distinto. Por exemplo, a sonegação dos combustíveis é menos de 1%. Considerando que esse setor responde por R$ 4,2 bilhões por ano, é um valor pequeno no montante total. O que causa certa confusão são os tributos federais e municipais. O governador falou sobre o cartão de crédito (ao expor a necessidade da nota fiscal eletrônica ao consumidor) e é importante ter um pouco mais de prudência para lidar. Vejamos o caso de um hotel, que tem tributação do município (ISS) e se tiver o consumo de um alimento, o tributo (ICMS) é do Estado. Mas quando você paga a conta do hotel, o município tributa a parte dele e o Estado também.  Então, muitas vezes você tem uma base enorme, mas tributa apenas um pedacinho. Isso não significa que tem sonegação no montante total. Pode até ser que ocorra em determinados locais, mas a maior parte é tributada para a União, para o município, e por isso não reflete a totalidade de arrecadação para o ICMS, porque tem outros atores envolvidos e há a repartição tributária.

NDMais – E a nota fiscal eletrônica ao consumidor vai ajudar a combater a sonegação?

Farenzena – A nota fiscal papel não existe há muitos anos. Eu acredito que o governador queira dizer a nota fiscal ao consumidor eletrônica, modelo novo que tem sido adotado por outros estados. SC não adotou até agora porque ainda não tinha feito um controle mais exímio das operações oriundas dessa nota fiscal. Em detrimento aos outros estados, SC criou toda a regulamentação e o controle previamente, e com tudo isso pronto vai adotar o modelo adaptado, pois teve que criar toda uma legislação própria, criando o ambiente para adotar a nota. Não é porque tinha má vontade ou porque o Fisco não queria. A gente queria adotar só que antes de tomar alguma atitude é preciso estar estruturado para tal. O Fisco vem trabalhando o modelo do cupom fiscal desde o ano 2000, então não podemos simplesmente romper com esse modelo, desativando toda a estrutura de controle, sem antes ter uma estrutura nova e pronta e que funcione com o novo modelo.  Esse modelo vai ser bom para SC e ajuda muito pelo fato do controle ter sido criado. Os outros estados criaram o modelo e depois foram ver como controlar e por isso tiveram uma perda de arrecadação no varejo. Nós não cometemos esse mesmo erro. Preferimos primeiro criar a regulamentação e o controle para depois adotar o modelo, até porque implica em custo para o contribuinte.  Todas as máquinas de cupom fiscal terão que ser trocados e o Fisco não pode ser irresponsável e de uma hora para outra dizer que as máquinas (que custam em torno de R$ 3 mil cada) não servem mais.  Fomos construindo o novo modelo ao longo dos anos e essa adoção da nota fiscal ao consumidor será facultativa e pouco a pouco. Não será impositiva. Vamos ter paciência, prudência e aguardar para não acarretar prejuízo, principalmente para os pequenos. Para eles ter que parar o mercado um dia para adaptar o software tributário implica em deixar de arrecadar um faturamento, então temos que ter essa responsabilidade.  

NDMais – A arrecadação tem crescido mês a mês. Pode haver uma relação entre esse crescimento com aumento da sonegação?

Farenzena – É preciso segregar a arrecadação da sonegação.  Há muitos anos SC vem se estruturando para adotar determinadas medidas que agora ficaram prontas, por exemplo: retirar produtos da substituição tributária. Faz anos que estudamos essa questão, porque não é simples. Não dá para deixar de aplicar o modelo sem ter perspectivas do que vai acontecer futuramente. Santa Catarina se estruturou ao longo dos anos, a diretoria de Administração Tributária estudou, para agora o secretário da Fazenda tomar a atitude de retirar os produtos da substituição tributária, porque tem todo um respaldo para adotar essa medida. É uma medida corajosa que até então nenhum estado adotou e tem refletido em determinado aumento da arrecadação. Tem também as ações fiscais. Essa questão dos grupos especialistas tem refletido positivamente na arrecadação, pois quanto mais você conhece o setor, mais tem capacidade de monitorar, acompanhar e chegar naquele contribuinte problemático e dizer onde está o problema.  Tem ainda a questão econômica, pois o Estado vem se recuperando economicamente, não aumentos tributação nos últimos anos como de combustíveis e energia. O aumento de tributação, no momento, é bom, porque aumenta a receita, mas em longo prazo as empresas deixam de vir para o estado porque é mais caro. Energia é um insumo básico para a maioria das indústrias, então quanto mais alta a energia, mais alta é a alíquota, maior a tendência de uma empresa escolher um estado ou outro devido a esse componente de custo. Tem também a nossa questão portuária, de infraestrutura, e a questão tecnológica utilizada pelo Fisco. O comercio exterior, por exemplo, tem um sistema de liberação de importações, que em oito minutos libera a carga em oito minutos, eletronicamente. Em outros estados pode demorar até uma semana. Essa sistemática foi criada a partir de 2006 e trouxe um avanço gigantesco para a arrecadação, porque as indústrias vêm para cá. Em São Paulo, o contêiner fica dois, três a quatro dias com o contêiner parado no porto, enquanto em SC não. Em 15 minutos eu tiro o contêiner do porto, em dois dias está na fábrica e consigo até desovar e devolver o contêiner. Cada dia que o contêiner fica parado é um componente de custo importante.

 

Via Notícias do Dia