Quase todo brasileiro tem uma história kafkiana para contar, especialmente aqueles que se arriscaram no mundo do empreendedorismo. Sérgio da Rocha, há 24 anos dono de uma gráfica em Florianópolis, tem a dele. Desde março tenta fechar a empresa. Ou melhor: tenta entender tudo que tem que fazer para conseguir fechar. Nesses sete meses, já gastou com advogado e contador, agravando os problemas de endividamento que já tinha. Sem dar baixa no CNPJ não consegue abrir um novo negócio no seu nome e seguir adiante.

Não surpreende, portanto, que em Santa Catarina 85% das empresas tenham alguma irregularidade, a maior proporção entre os Estados do Sul. O dado é de um levantamento da Endeavor, obtido com exclusividade pelo Diário Catarinense. No país, 86% das companhias apresentam alguma desconformidade com a lei. No estudo, foram analisadas 2.555 empresas em todos as unidades da federação, excluindo-se os microempreendedores individuais (MEIs). Para a Endeavor, o intricado de caminhos burocráticos, especialmente para abrir e fechar empresas, é o que justifica a alta incidência de irregularidades.

— Há uma série de procedimentos necessários e as pessoas acabam abandonando o processo (de fechar) no meio do caminho. Cerca de 20% dos CNPJs, no país são o que chamamos de zumbis, estão inativos na prática, um total de 3,7 milhões, sendo que 1,18% estão em SC. Geralmente eles têm alguma pendência tributária – diz o coordenador da Endeavor em Santa Catarina, Guilherme Lopes.

A pesquisa também procurou entender as maiores dificuldades dos empreendedores. Uma delas é compreender os tributos. São 27 legislações para o ICMS, sem falar no ISS e em outros impostos. Não bastasse isso, o ambiente regulatório brasileiro permite uma série de alterações. Santa Catarina, por exemplo, fez 56 atualizações no ICMS entre 2013 e 2017. Ainda assim, foi o Estado que menos mudou. O Rio Grande do Sul lidera, com nada menos que 558 alterações na legislação do imposto estadual no mesmo período.

Não à toa o Brasil ficou na 181ª colocação em uma lista de 188 países do relatório Doing Business 2017, do Banco Mundial (BID), que avaliou a facilidade de pagar impostos. A questão é tão crítica que, mesmo entre escritórios de contabilidade e de advocacia que lidam com a área tributária, a incidência de alguma irregularidade atinge 80% e 88%, respectivamente. Um tempo precioso é gasto ao se procurar compreender o emaranhado tributário. Segundo o BID, cada empresário brasileiro gasta, em média, 85 dias ao ano preenchendo guias e pagando impostos.

— É um tempo que o empresário poderia estar gastando pensando em como inovar no seu negócio ou em como ser mais produtivos – diz Lopes.

Mais de cinco meses parar abrir um negócio
O tempo de abertura de empresas também continua sendo um problema brasileiro e catarinense. Em SC, de acordo com o Sebrae-SC, são necessários cerca de 160 dias para abrir uma companhia. Segundo dados do BID, de 2017, no Brasil a média é de 79,5 dias, muito superior a países vizinhos como Argentina (25 dias) e Peru (26).

— Quando se vai abrir, são inúmeras as legislações, e não é só federal, estadual e municipal. Dentro da municipal, por exemplo, tem a vigilância sanitária, o meio ambiente, o planejamento territorial, sem falar que os municípios ainda criam áreas extra. E não são áreas coordenadas. Então, vários órgãos exigem um mesmo documento. Assim, o empresário aluga um imóvel para sediar o negócio e fica quatro meses pagando aluguel até ter todas as autorizações – avalia o coordenador estadual de políticas públicas do Sebrae-SC, Diego Demétrio.

Para ele, um dos maiores desafios é fazer com que os órgãos se integrem mais. Apesar da lei 11.598, criada em 2007 – que instituiu a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim) –, pouco foi cumprido na visão do coordenador do Sebrae-SC. O representante da Endeavor no Estado, por outro lado, acredita que a norma trouxe avanços em termos de maior integração entre os órgãos.– Hoje prefeituras e Estado sabem o que está sendo feito em um e em outro – diz Lopes.

SC tem meta de abrir empresa em até cinco dias
Independentemente da legislação federal, Santa Catarina tomou algumas iniciativas para encurtar os caminhos da burocracia. Uma delas foi o SC Bem Mais Simples, que começou a ser implantado neste ano, resultado de um trabalho coordenado entre vários órgãos como a Secretaria de Estado Desenvolvimento Econômico Sustentável (SDS), a Fundação do Meio Ambiente (Fatma) e a Vigilância Sanitária. Segundo a SDS, o programa já teve a adesão de 100 prefeituras.

— Ele prevê a simplificação de processos. Até então tratávamos todo tipo de empresa da mesma forma. Agora, tratamos diferente uma empresa sem risco sanitário ou ambiental. O empreendedor se compromete ao fazer uma declaração, e a prefeitura só fiscaliza posteriormente – explica o secretário de Desenvolvimento Sustentável, Carlos Chiodini.

De acordo com o secretário, a meta, que deve ser alcançada no ano que vem, é de que a abertura de uma empresa de baixa complexidade demore até cinco dias. Não é impossível obter uma redução expressiva como essa. Uma dos cases é Porto Alegre, que conseguiu reduzir de 245 para 19 dias o período necessário para começar um novo negócio, após um trabalho feito em 2015, uma parceria entre governo do Estado, prefeitura, Sebrae-RS e Endeavor.

A Junta Comercial de SC (Jucesc) também buscou facilitar sua etapa no processo de abertura e de fechamento de negócios. Ao tornar mais eficientes os processos internos, o órgão reduziu em cerca de 40% o tempo necessário para essas operações. Hoje, em uma hora é possível abrir uma empresa de baixa complexidade na Junta, coisa que levava dias anteriormente. O próximo passo será tornar o processo totalmente digital. A partir de 11 de outubro, os empresários poderão fazer tudo que diz respeito à Jucesc sem precisar ir até o balcão.

— Isso será gradativo, porque os empresários vão precisar também ter certificados digitais, mas creio que se resolve no curto prazo – explica o presidente da Jucesc, Julio Cesar Marcellino Jr.

Um outro esforço é o do Sebrae-SC, que neste ano começou a implantar o projeto Cidade Empreendedora em 30 municípios catarinenses. Por meio do programa, o Sebrae revê junto ao município toda a legislação existente, e depois é montado um comitê de desburocratização.

— A pessoa da vigilância tem que conhecer a do meio ambiente. É comum pedirem quatro cópias autenticadas da identidade de um sócio, por exemplo. Será que a vigilância tem que olhar essa questão da sociedade? Será que não é mais fácil fazer tudo em um só lugar? No comitê vamos prestar essa consultoria – explica o coordenador do Sebrae-SC.

Segundo Demétrio, um dos maiores desafios é mudar o que chama de cultura do carimbo.

— Essa ideia de passar por muitos órgãos, que é uma coisa que temos desde o Império, confere poder para a pessoa que está ali. Então há dificuldade em superar essa cultura, mas é possível. No Ceará, você já abre uma empresa sem utilizar um papel, tudo por meio de um software.

 

Via DC