Recuperação econômica da indústria em Santa Catarina é marcada pela alta de preços e a falta de matéria-prima, causadas pela desorganização da produção e outros fatores ligados à pandemia do coronavírus

A atividade industrial vive momento de retomada. Após a queda abrupta em março, que fez a produção do setor em Santa Catarina recuar -17,7% frente ao mês anterior segundo o IBGE, a saída do fundo do poço acontece no formato em V, o mais desejado para uma volta ao crescimento. Para se ter ideia, no mês de agosto o faturamento real do setor de transformação catarinense cresceu 12,8% frente mês anterior, segundo dados da Secretaria de Estado da Fazenda ao Observatório da Indústria, instituição da Federação das Indústrias de SC (Fiesc).

Mas a crise sanitária também desorganizou a produção e cria desafios para o setor, com a falta e aumento de preços de matérias-primas em diversos segmentos, com repasses ao consumidor final. 

– Nós esperávamos que a indústria de Santa Catarina tivesse uma retomada em ritmo maior que o do setor no país pela pujança das nossas empresas e diversificação. Historicamente, temos alcançado um desempenho acima da média nacional. O Estado tem a menor taxa de desemprego do país e a indústria oferece 34% dos empregos formais – explica Mario Cezar de Aguiar, presidente da Fiesc.

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Gráfico mostra o momento de retomada vivido pela indústria em SC

(Foto: Arte NSC)

O empresário atribui a falta de matérias-primas e alta de preços a alguns fatores. Os principais são a desorganização da produção em função da pandemia, que interrompeu atividades de diversas cadeias produtivas, além do aquecimento das vendas de produtos industriais nesse período e a alta do dólar. 

– No início da pandemia, pensávamos que ela seria menos duradoura e que os efeitos econômicos seriam mais prejudiciais. E deu-se o inverso: a pandemia está mais longa do esperado e os efeitos econômicos não foram tão nefastos – avalia Aguiar. 

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Para o economista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Pablo Bittencourt, que fez uma análise de dados do setor junto com o economista do Observatório da Indústria, Marcelo Masera de Albuquerque, a acelerada nas vendas da indústria não só no Estado, mas no Brasil, ocorreu principalmente em função do auxílio emergencial de R$ 600. 

– O auxílio foi uma injeção na economia que estava indo para uma depressão. Foi uma medida acertada sobre o que fazer. Beneficiou quase um terço da população. E na restrição de gastar em serviços devido ao isolamento social, as pessoas compraram produtos industriais – explica Bittencourt.

Segundo Aguiar, a retomada do crescimento é diferente entre os vários setores. A indústria da construção civil, por exemplo, esperava dificuldades, mas foi a que acelerou primeiro, impulsionada pelos juros baixos. Eletrodomésticos, móveis, cortinas e outros itens venderam mais porque as pessoas decidiram organizar a casa.

Cenário é de crescimento, mas em ritmo menor  

As expectativas, salvo surpresas, são de que o crescimento do setor industrial catarinense deve continuar este ano e ao longo de 2021, mas em um ritmo menor do que o registrado agora, nessa retomada em meio à pandemia. Para o presidente da Fiesc, Mario Cezar de Aguiar, eventuais atrasos de matérias-primas e demora na retomada dos serviços vão influenciar o ritmo futuro. O economista Pablo Bittencourt, da UFSC, alerta também para a necessidade da volta do emprego nos serviços e riscos devido ao endividamento maior.

Na avaliação do presidente da Fiesc, a indústria, após registrar em boa parte dos setores, alta de atividade acima da média do ano passado, vai continuar crescendo. Entre as razões desse otimismo estão a melhora gradativa das exportações atuais, oportunidades para conquistar novos mercados devido a mudanças motivadas pela pandemia.

– Como somos um estado produtor, dependemos muito do desempenho dos outros estados tanto para produção de insumos, quanto para a venda dos nossos produtos. Não adianta só a economia catarinense ir bem – pontua Aguiar.

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Tanto o presidente da Fiesc quanto o economista e professor da UFSC avaliam que Santa Catarina fechará 2020 com recessão menor que a da média do país pelo perfil diversificado da economia local. Para o ano que vem, o cenário traçado é de volta do crescimento, com alta do PIB de até 3%. Bittencourt está atento à geração de empregos nos serviços.

– Em julho o Brasil registrou saldo positivo de empregos, mas o grande empregador do país, o setor de serviços, teve saldo negativo de vagas. Se os empregos forem positivos nos serviços, é possível que o auxílio emergencial de R$ 300 seja suficiente para manter a economia em bom nível de atividade – analisa Bittencourt. 

O economista faz ponderação também sobre o endividamento maior do setor público, das famílias e das empresas. Isso pode inibir o consumo e afetar a retomada da economia.

Têxtil e metalomecânica lidam com insumos mais caros 

A desorganização da produção industrial causada pela parada da pandemia do coronavírus, com menor oferta de matérias-primas e alta de preços, afeta a maioria dos setores industriais de Santa Catarina. Contudo, todos seguem trabalhando e contornando os problemas. O setor têxtil e de confecções, que lidera a geração de emprego na indústria, é um dos que enfrentam esses obstáculos. A causa principal é o crescimento acelerado.

Para se ter ideia, em agosto teve faturamento real de R$ 2,77 bilhões, com alta de 16,4% frente ao mês anterior. O setor metalomecânico, também um dos mais fortes do Estado, faturou em agosto R$ 4,36 bilhões, 8,7% mais frente ao mês anterior. 

O empresário Giuliano Donini, presidente da Marisol, de Jaraguá do Sul, uma das maiores empresas de moda infantil do Brasil, diz que há pressão do preço do algodão e de outros insumos cotados em dólar. O preço da puma de algodão subiu 26% no país ante 2019. De acordo com Donini, em função disso, a empresa teve que elevar entre 10% e 20% o preço do tecido de malha. No caso de confecções próprias, conseguiu segurar o preço.

– No setor de confecções, deveremos ter desequilíbrio nessa orquestração de oferta e preços até abril do ano que vem porque a partir de dezembro estaremos envolvidos com a coleção inverno que, normalmente, tem mais itens importados. Devido à pandemia e dólar alto, empresas vão importar menos e fazer no Brasil, o que vai gerar mais empregos aqui – projeta Donini, ao destacar que a empresa contratou mais de 200 pessoas no último mês.

A menor oferta de matérias-primas para indústrias está gerando fake news. A Marisol tem sido vítima de anúncio com informações falsas de que ela não poderá atender a novos pedidos até o fim do ano. Donini, diz que é a segunda vez em um mês que precisou desmentir o boato e garante que a empresa segue produzindo, sem enfrentar falta de matéria-prima.

Quem não teve trégua desde a chegada da Covid-19 no Estado foi o setor do agronegócio e empresas que fornecem a ele, como é o caso da Triton, de Luzerna, no Meio-Oeste. Fabricante de reboques, distribuidores de fertilizantes e graneleiros, ela faturou 20% mais no primeiro semestre frente ao mesmo período de 2019. O presidente da companhia, Márcio Dalla Lana, está preocupado com o estoque menor de matérias-primas e alta de preços. 

– Não temos falta de matéria-prima porque temos estoque regulador, mas os fornecedores aumentaram as chapas de aço em 13% no mês de agosto, 10% em setembro e virá nova alta em outubro – diz Dalla Lana.

O industrial revela que está investindo, adquirindo robô para linha de produção, mas teme não ter insumos suficientes. A oferta menor ocorre porque siderúrgicas desligaram altos-fornos e o preço sobe também devido ao dólar. Esse aquecimento também gera novos empregos na região, mais de 150 vagas.

Via Diário Catarinense – Por Estela Benetti