• Alertamos para os riscos apresentados pelo PLP 219/2025, do senador Mecias de Jesus
  • Proposta busca conceder crédito presumido sobre estoques que não foram tributados com IBS

transição para um novo modelo tributário é algo inédito para a maior parte desta geração de brasileiros. É natural, portanto, que haja alguma inquietação por parte dos agentes políticos e econômicos sobre a implementação da reforma em curso no país. Essa apreensão, entretanto, não pode ensejar propostas que, ainda que bem intencionadas, prejudiquem o novo modelo tributário. Por isso alertamos para os riscos apresentados pelo PLP 219/2025, de autoria do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR).

A reforma buscou corrigir distorções históricas do sistema tributário brasileiro ancorando-se em um princípio central: a não-cumulatividade plena. Ou seja, as empresas pagam o tributo apenas na agregação de valor que realizam em seu processo produtivo. A forma de garantir isso é a concessão de crédito tributário amplo e automático.

Acontece que, no início da vigência do IBS, as empresas estarão com suas operações em curso. No dia anterior à sua implantação, existirão estoques de mercadorias adquiridas ainda sob o regime dos tributos antigos, sobre os quais não houve cobrança de IBS. Então, na medida em que esses estoques forem vendidos já no novo sistema, a empresa terá IBS a recolher na saída, mas não terá IBS a creditar, porque ele simplesmente não existia no momento da compra.

À primeira vista, isso pode parecer uma situação de desequilíbrio, como se o contribuinte fosse onerado injustamente na transição. Parece ter sido esse entendimento que impeliu a proposta do senador Mecias, que busca conceder crédito presumido aos contribuintes, de modo a simular o crédito de IBS que existiria se o imposto já tivesse incidido quando aqueles estoques foram adquiridos. Parece fazer sentido, mas, na realidade, essa lógica está incorreta.

Essa solução desconsidera um ponto essencial da própria transição: como o ICMS será gradualmente reduzido até sua extinção, os mesmos estoques terão sido adquiridos com alíquotas de ICMS mais altas do que aquelas que incidirão quando forem vendidos. Isso significa que, na saída desses produtos, o contribuinte terá um crédito de ICMS proporcionalmente maior do que o imposto devido, o que reduz ou até elimina o valor a pagar.

Em outras palavras, o que parece uma perda pelo lado do IBS é, na verdade, compensado pelo ganho decorrente da redução gradual do ICMS na própria transição. Mesmo depois desse ajuste, caso ao fim da transição, em 2032, o contribuinte ainda tenha créditos de ICMS, poderá utilizá-lo para abater o IBS, parceladamente, a partir de 2033.

Portanto, considerando esse ajuste já previsto na transição, a proposta do senador Mecias é danosa tanto para o Estado quanto para os contribuintes. Para o Estado porque o crédito presumido não é gratuito. Ele representa, inicialmente, uma redução direta na arrecadação de estados e municípios.

Na sequência, a medida passa a ser ruim para o contribuinte, porque ao identificar essa queda de receita, o próprio mecanismo de recomposição federativa exigiria o reajuste da alíquota de referência do IBS para repor a arrecadação perdida. Ou seja, o benefício concedido hoje ao contribuinte seria compensado amanhã por meio de uma alíquota maior para toda a sociedade. A aparente economia na largada se converteria, inevitavelmente, em aumento de carga no ano seguinte.

A transição foi estruturada para ser neutra, gradual e tecnicamente equilibrada. A solução sugerida no Senado altera essa lógica, gera distorções, pressiona a alíquota do IBS e fragiliza o pacto federativo. Na ponta do lápis, não há benefício real para o contribuinte. Por isso, o PLP 219/2025 deve ser rejeitado, não por negar a preocupação legítima com os estoques, mas porque oferece uma solução que, no fim, prejudica todos: União, estados, municípios, empresas e consumidores.

Via Folha de São Paulo