Além da tramitação no Congresso, projeto pode ter implementação difícil porque escolha de onde cortar gastos vai depender de negociação política

O Projeto de Emenda à Constituição que limita os gastos do governo atendeu à expectativa do mercado ao estipular que o teto dos gastos públicos terá um prazo mínimo de nove anos, período considerado suficiente para conseguir reverter a trajetória ascendente da dívida pública brasileira com relação ao Produto Interno Bruto (PIB). A sua implementação, contudo, deve ser complicada, avaliam analistas ouvidos pelo Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado.

Outro ponto bem recebido foi o fato de o texto da PEC incluir os gastos com Saúde e Educação, que atualmente são limitados a um porcentual da arrecadação. Se a proposta for aprovada, a partir de 2017 as despesas dessas duas áreas serão limitadas ao que foi desembolsado no ano anterior, com a correção da inflação.

O economista-­chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, acredita que o projeto é correto no sentido de tentar trazer mais racionalidade para a dinâmica fiscal. No entanto, ele entende que a medida poderá ter um resultado limitado, já que ainda depende de uma série de outras mudanças e de muita negociação política.

“Aprovar a PEC é a parte fácil. A minha preocupação no momento é que ela depende de várias outras aprovações. Quando começar de fato a se discutir onde será necessário cortar mais e menos, um por um, daí ficará difícil, porque dependerá de um componente político”, avaliou. Segundo ele, este processo tende a atrasar os efeitos da PEC. “Tem muito chão pra andar e muitos “se” no caminho.”

Para o analista econômico da RC Consultores Everton Carneiro, a PEC enfrentará pressão do Congresso no que tange à alteração do texto, ao prazo para a aprovação e à situação “caótica” pela qual passam a Câmara e o Senado neste momento. Beneficiado por uma “certa paciência” do mercado, o governo interino, contudo, não pode demorar para garantir a aprovação de medidas consideradas importantes para a recuperação da economia brasileira.

“O prazo é a questão política mais delicada, esse será o ponto de atrito com o Congresso. É complicado travar orçamento por muito tempo, politicamente haverá resistência”, disse Carneiro, arriscando que o prazo (para a limitação dos gastos) pode ser modificado de 20 anos para um período a ser escolhido entre dez e quatro anos.

Ele criticou a indexação dos gastos à inflação, já que, “além de trazer a inflação dentro do orçamento, pode haver problema de sincronia entre os gastos, inflação e desempenho da economia.” “O cenário também é um dos mais turbulentos possível. Primeiro, porque a PEC, pelo assunto, é difícil de ser aprovada, pela legislação em si. Segundo, porque a situação nas duas casas ­ Câmara e Senado ­ é extremamente caótica”, explicou, lembrando que há a cassação do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha, e caso passe, terá que ser escolhido novo comandante da casa, e que há uma série de processos contra o presidente do Senado, Renan Calheiros.

Já a economista Solange Srour, da ARX Investimentos, acredita que, apesar da chance de enfrentar alguma resistência no Congresso, a proposta vai acabar passando. “Mas a urgência, a pressão do mercado e da sociedade, fazem possível que seja aprovada”, continuou. “As condições são mais favoráveis porque está havendo uma degradação enorme em todos os setores da economia.”

A economista também acredita que a PEC deve seguir o ritmo normal de tramitação das propostas desse tipo e ser votada antes do fim deste ano. “O impeachment é importante, mas não impede a Câmara de começar a discutir a PEC”, disse.

O especialista em contas públicas Raul Velloso destacou que foi muito importante a decisão do governo de que despesas com Saúde e Educação também passem a ser corrigidas pela variação do IPCA. “Tem grande relevância a medida, pois evitará comprimir os investimentos públicos, que são necessários para o avanço da economia”, destacou.

Superávit. Perfeito, da Gradual, ainda defende que o teto de gastos públicos corrigido pela inflação do ano anterior, por si só, não garante que o Brasil volte a ter uma trajetória de superávit. “Você está cortando muita despesa num governo que não necessariamente vai conseguir gerar mais receita”, disse.

Segundo ele, o governo precisa responder a questões que não estão diretamente relacionadas à PEC. “É preciso saber como vai se incrementar a receita. O caminho será estimular a economia? De que forma? Ou o jeito será tributar mais a economia? Tudo isso está em aberto”, afirmou.

Previdência. Na avaliação de Velloso, o Poder Executivo federal atuou com realismo ao não incluir temas relativos à Previdência Social, como idade mínima para aposentadorias, entre os pontos principais da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tratará do teto para gastos públicos. “Se o governo propusesse mexer na Previdência agora seria suicídio político, pois está em transição. Assuntos que envolvem a Previdência Social precisam ser discutidos com a sociedade numa reforma específica, o que requer um certo tempo de debates. Não é algo imediato”, afirmou.

Segundo Velloso, a PEC para limite de despesas do governo federal não está muito menor em relação às expectativas que agentes econômicos alimentaram a partir da posse do presidente em exercício, Michel Temer. “A PEC não está desidratada não. Tem pontos muito importantes. Era que o que era possível e eficiente para ser feito agora.”

Via Estadão