artigo

07 entrevista 2 analise fiscosergio pinetti

Sergio Dias Pinetti – Auditor Fiscal da SEF/SC

O modelo de organização social e política implementado por meio da Constituição Federal de 1988, assimila as funções do estado moderno surgido no período pós Segunda Guerra Mundial. Neste modelo, o estado ocupa o papel central da organização da ordem jurídica e social, onde instituições estatais produzem regulação e implementam os mecanismos de controle necessários, com a finalidade de garantir seu funcionamento adequado, procurando assegurar um nível ótimo de coesão social e legal, levando ao estabelecimento de um mercado concorrencial justo, que produz eficiência alocativa, fomentando o investimento privado, o crescimento econômico e a redução das desigualdades.

Este é o modelo que pode ser facilmente identificado nas democracias plenas, a exemplo dos cinco países nórdicos, do Canadá, da França, da Alemanha e do Japão, e que no Brasil, obviamente, tem como maior expressão o próprio Estado de Santa Catarina.

Este modelo de organização social e política, ao demandar fortemente a prestação de serviços públicos de qualidade à população exige uma atenção plena às funções estatais que viabilizam o atendimento às demandas de financiamento do setor público. A própria Constituição Federal de 1988 consagra essa prioridade ao estabelecer, no inciso XXII do seu Art. 37, que a Administração Tributária, e seus membros Auditores Fiscais, desempenham atividades essenciais ao funcionamento do estado, devendo ser providos com os recursos necessários ao pleno exercício de suas prerrogativas.

No âmbito do estado moderno, as políticas públicas devem inclusive ter como objeto as atividades do setor privado, principalmente quando áreas estratégicas para o país estão sob domínio de empresas privadas. Neste sentido, as questões relativas ao comércio exterior, ao domínio de tecnologias estratégicas, à posse e à utilização de terras agricultáveis, recursos hídricos, reservas minerais e reservas florestais devem estar sobre regramento legal objetivo e restritivo, sendo absolutamente necessário o controle estatal, por meio de instituições fortes e atuantes, a fim de que a própria soberania e autonomia do país não sejam ameaçadas por interesses externos.

Absolutamente necessário sempre ter em mente a primeira regra de ouro da diplomacia internacional: países não têm amigos, apenas interesses. Com base nesse princípio se estabeleceram as mais diversas alianças geopolíticas, militares e os acordos de comércio internacional.

Após breve preâmbulo, seguimos na análise dos complexos mecanismos de tributação, e de repartição das respectivas receitas financeiras obtidas, reafirmando que jamais devem ser realizadas de forma superficial ou apressada. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um conjunto de princípios e regras legais que definem as competências tributárias privativas e residuais que possibilitam à União, aos estados e municípios a obtenção dos recursos financeiros necessários ao cumprimento de suas obrigações quanto à prestação de serviços à sociedade.

Frequentemente nos deparamos na mídia com avaliações e artigos de opinião discorrendo sobre o desequilíbrio observado entre o montante de tributos federais arrecadados no Estado de Santa Catarina, por contribuintes pessoa física e jurídica, e o retorno provido pelo governo central, seja de forma direta, por meio do Fundo de Participação dos Estados – FPE, Fundo de Participação dos Municípios – FPM, ou ainda em investimentos federais diretos por meio de obras nas infraestruturas locais essenciais.

Tomando por base o exercício fiscal de 2023, os repasses do FPE e IPI Exportação, ao Estado de Santa Catarina totalizaram R$2,314 bilhões. Já o FPM destinou aos 495 municípios catarinenses um total de R$7,260 bilhões. Assim, de forma direta e imediata, por meio das transferências constitucionais, os entes subnacionais do Estado de Santa Catarina obtiveram o retorno total de R$9,574 bilhões.

Entretanto, a destinação de recursos federais aos entes subnacionais, derivada tanto de regras constitucionais próprias, quanto de leis complementares que criaram e regulamentam os fundos específicos destinados ao custeio e ao financiamento de políticas públicas prioritárias, a exemplo da educação (FUNDEB), saúde (SUS, FNS) e agricultura (PROAGRO, PRONAF) é vasta e complexa. Segundo dados do IPEA, existem cerca de 85 fundos federais em operação para o custeio de políticas públicas. Em rápido comento, somente o Plano Safra, que destina recursos orçamentários federais subsidiados para o custeio da agricultura, somou na safra 2022/2023 cerca de R$364,22 bilhões. Os recursos orçamentários federais destinados à complementação do FUNDEB somaram, em 2023, cerca de R$40 bilhões.

É notável e conhecido, que o item de maior valor no orçamento da União é composto pelas despesas com o pagamento de benefícios previdenciários e da assistência social. Em termos reais, segundo dados do Tribunal de Contas da União – TCU, as despesas previdenciárias da União totalizaram, no ano de 2023, mais de R$1,066 trilhão. É nesse ponto específico que é possível perceber o quanto a União destina, de forma direta, e a cada um dos beneficiários catarinenses, um montante de recursos financeiros que no exercício de 2023, totalizou R$37,8 bilhões.

image 8

Assim, as transferências constitucionais, legais e dos diversos fundos relativos a projetos e políticas públicas, somadas aos pagamentos diretos ao cidadão de benefícios previdenciários e de assistência social, totalizaram no exercício de 2023, o montante de R$62,8 bilhões.

Por outro lado, a arrecadação dos tributos e contribuições federais sob responsabilidade de contribuintes catarinenses, pessoa física e jurídica, totalizou, no exercício de 2023, um montante de aproximadamente R$113 bilhões.

Conforme é possível concluir, em rápida análise dos dados da tabela a seguir, mais de 50% da arrecadação federal no estado de Santa Catarina tem natureza previdenciária e de assistência social, justamente para viabilizar o pagamento dessas modalidades de benefícios, sob responsabilidade da União.

image 9

A partir da análise dessas informações, facilmente acessíveis nas bases de dados dos órgãos de controle federal, e da própria Secretaria da Receita Federal, é possível estabelecer com precisão que para cada Real arrecadado em Santa Catarina, a partir dos tributos derivados da competência tributária da União, a sociedade catarinense obtém, como retorno direto e indireto (FPM, FPE e fundos) 56 centavos.

A ausência de proporcionalidade entre os valores arrecadados e os investimentos da União, levaram ao longo das últimas décadas, ao estabelecimento de diversas deficiências crônicas, notadamente na infraestrutura do estado. As rodovias federais que cortam Santa Catarina recebem, historicamente, recursos federais muito aquém da real necessidade, sendo que, somente a partir de 2023, voltaram a ser contempladas com volume de investimentos federais necessários à execução de obras de duplicação, conservação e melhorias em geral.

Nos parece bastante claro, portanto, que o pacto federativo, concebido a partir das regras legais derivadas da Constituição Federal de 1988, com o objetivo maior aprimorar a distribuição de renda no país e reduzir desigualdades regionais, não operou conforme previsto. Embora o estado de Santa Catarina tenha alcançado os melhores indicadores sociais do país, como IDH, longevidade, menor índice de desemprego e a menor desigualdade social do país, todas essas conquistas, nas últimas três décadas, basearam-se primordialmente no crescimento dos recursos financeiros próprios, a partir do maior índice de crescimento da arrecadação tributária estadual, quando comparada aos demais estados do país. Foi exatamente essa disponibilidade de recursos financeiros próprios, obtidos a partir das atividades da Administração Tributária, que sempre operou no mais elevado nível de excelência, que transformou Santa Catarina no estado mais próspero do país. Logo, se faz necessário redefinir os critérios de divisão dos impostos federais arrecadados nas unidades federadas, até mesmo pelo fato de que algumas regras constitucionais não se justificam mais após 35 anos, considerando as enormes transformações observáveis na economia nacional e nas economias regionais ocorridas ao longo desse período.

____________________________________________________________________________________________________________

Fontes de dados:

CGU: https://portaldatransparencia.gov.br/transferencias?ano=2023
STN: https://www.tesourotransparente.gov.br/temas/estados-e-municipios/transferencias-a-estados-e-municipios
RFB: https://dados.gov.br/dados/conjuntos-dados/resultado-da-arrecadacao

Revista Sindifisco – Edição 88 – Relatório anual 2024.

Leia a revista completa aqui.

Acesse aqui as edições anteriores.