Afetação da questão à sistemática de recursos repetitivos pelo STJ veio em boa hora
A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou os REsp’s 1.945.110/RS e 1.987.158/SC (representativos da controvérsia), de relatoria do ministro Benedito Gonçalves, à sistemática dos recursos repetitivos, cuja matéria a ser definida diz respeito à possibilidade ou não de exclusão dos benefícios fiscais de ICMS (diversos do crédito presumido de ICMS) das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL apurados sob a sistemática do lucro real (Tema 1.182/STJ).
Com o presente artigo, busca-se demonstrar a impropriedade de aplicação do precedente relativo aos créditos presumidos (EREsp 1.517.492/PR) aos benefícios gerais e incondicionais, em especial isenções e reduções de alíquota e base de cálculo.
Importante pontuar, inicialmente, que o EREsp 1.517.492/PR estava baseado em decisões anteriores da Primeira Turma do STJ, que entendiam pela impossibilidade de um ente (União) “tomar para si” parte da receita objeto de renúncia por outro ente com o intuito de fomentar determinada atividade empresarial. Por apertada maioria, tal entendimento foi acolhido pela 1ª Seção do STJ.
Pode-se afirmar com segurança que tal pretensão é uma aventura jurídica, desprovida de base sólida. A aceitação da tese levaria a uma situação teratológica, com a violação de diversos dispositivos constitucionais e, como bem constatado pelo ministro Mauro Campbell Marques, paradoxalmente, da ratio decidendi do próprio precedente da 1ª Seção (REsp 1.968.755/PR).
Na imensa maioria dos processos ajuizados, são citados casos em que os estados concedem isenções, reduções de alíquota e de base de cálculo de forma geral e incondicional. Nessas situações, sequer estamos diante de subvenções voltadas às empresas, o que, por si só, deveria conduzir a um imediato indeferimento da pretensão.
Um exemplo bastante claro disso são os de empresas varejistas que comercializam bens da cesta básica. As isenções e reduções de tributos concedidas pelos estados têm por finalidade a diminuição do preço final da mercadoria. A renúncia, nesta hipótese, não objetiva a geração de receita adicional à empresa. Daí porque se convencionou chamar o resultado do benefício de grandezas negativas (TRF4 5057137-42.2020.4.04.7100, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, 23/11/2022).
Os tributos, nestas hipóteses, deixam de ser cobrados (ou são reduzidos) para que com isso se atinja a finalidade estatal de levar mercadorias mais acessíveis à população, em especial à parcela mais carente de recursos.
Ora, como a não cobrança (ou diminuição) de um imposto, que é feita com o objetivo de reduzir o preço de uma mercadoria, poderia gerar uma receita adicional para fins de materialidade do IRPJ e da CSLL?
À toda evidência, tal fato não se mostra possível. Por esta razão, as Turmas especializadas em matéria tributária do TRF4 sedimentaram o entendimento, inclusive em julgados pela sistemática do art. 942 do CPC, de que a conclusão do Superior Tribunal de Justiça firmada no EREsp 1.517.492/PR não pode ser generalizada de forma a abarcar outros benefícios fiscais de ICMS (TRF4 5084171-55.2021.4.04.7100, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, 16/08/2022; TRF4, AC 5002704-14.2022.4.04.7005, PRIMEIRA TURMA, Relatora LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, 15/09/2022).
Além disso, ao se possibilitar o afastamento do valor equivalente às isenções ou reduções de base de cálculo do IRPJ e da CSLL, o lucro das empresas acabaria sendo reduzido de forma drástica e artificial. Artificial porque os benefícios são voltados ao consumidor final e por isso não deveriam compor o preço da mercadoria. Não há, portanto, o que ser contabilizado como receita. Drástico porque o valor equivalente às isenções e reduções de base de cálculo pode ultrapassar facilmente a margem de lucro das empresas, esvaziando, muitas vezes por completo, a base de incidência dos tributos federais.
É fácil constatar que a violação ao pacto federativo, nesta hipótese, atingiria a União, que veria esvaziada sua fonte de arrecadação por um benefício concedido pelo Estado membro. (Neste sentido, vide APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004847-38.2020.4.04.7104/RS, 1ª Turma do TRF4, Desembargador Leandro Paulsen, 16-03-2022).
Caso fosse acolhida a tese defendida pelas empresas, estar-se-ia permitindo e até mesmo incentivando que uma redução de tributos que tinha originalmente por objetivo atender a população mais carente, passasse a beneficiar as pessoas jurídicas que recolhem pelo lucro real, às custas de uma indevida diminuição da carga tributária da União.
No âmbito do STJ, as Turmas de Direito Público divergem entre si. A 1ª Turma deu aos demais benefícios fiscais de ICMS o mesmo tratamento do crédito presumido.
Por sua vez, a 2ª Turma do STJ, no REsp no 1.968.755/PR, de relatoria do ministro Mauro Campbell Marques, DJE 08/04/2022, fez a devida diferenciação. Concluiu que o julgado do EREsp no 1.517.492/PR sobre os créditos presumidos de ICMS não pode ser aplicado nos casos de isenção e redução de ICMS, uma vez que constituiria desdobramento desarrazoado da tese vencedora. Como adiantado, o Relator destacou, corretamente, que a extensão do julgamento às outras hipóteses violaria sua própria ratio decidendi, que é a proteção do pacto federativo.
Entendeu a 2ª Turma que em relação aos créditos presumidos de ICMS se aplica o disposto no EREsp no 1.517.492/PR e em relação aos demais benefícios fiscais de ICMS incide o disposto no art. 10 da Lei Complementar 160/2017 e no art. 30 da Lei 12.973/2014.
A afetação da questão à sistemática dos recursos repetitivos veio em boa hora, permitindo que a matéria seja analisada em seus devidos termos.
Como demonstrado, em relação aos benefícios concedidos de forma geral e incondicional, a exclusão fictícia do que sequer foi incluído derruiria as bases de cálculos do IRPJ e da CSLL e o risco de violação ao pacto federativo seria inverso, exclusivamente em face da União. Tal situação equivaleria à isenção heterônoma, vedada pela Constituição Federal de 1988, na medida em que o benefício fiscal de ICMS seria automaticamente convertido em benefício fiscal federal, na forma de dedução das bases de cálculo da tributação federal sobre o lucro, sem qualquer contrapartida à sociedade.
Via Jota