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Muito vem se falando sobre os efeitos da reforma tributária no cenário interno, em que haverá a substituição, a princípio, expressa do IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS, para a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que substituirá os referidos tributos.

Da leitura do relatório da comissão constituída para a análise dos projetos da reforma tributária, temos que algumas premissas já foram devidamente estabelecidas, sobre as quais podemos citar algumas definições:

a) Substituição efetiva do IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS por um IVA; Criação de um Imposto Seletivo, complementar e extrafiscal, com o intuito de desestimular o consumo de alguns bens e serviços, importação de cigarro, bebida alcóolica, etc.;

b) Possibilidade de uso de créditos homologados na compensação com débitos do novo IVA;

O relatório, que aborda conclusões tanto da comissão mista, quanto da PEC 110, resumiu, de forma sucinta, todo o trabalho desempenhado desde as apresentações dos projetos, bem como as discussões ocorridas nas audiências públicas realizadas sobre a matéria.

No que concerne ao comércio exterior, alguns pontos merecem ser destacados, bem como dúvidas que não ficaram claras a partir da leitura do referido relatório.

Uma vez que há, praticamente, consolidação quanto a substituição de tributos federais, estaduais e municipais por uma nova espécie tributária, tem-se que os tributos que incidem sobre a importação de bens e serviços também serão objeto de substituição. Assim, haverá um IVA-Importação, que incidirá sobre a importação de bens, materiais ou imateriais, bem como de serviços, seja a importação para fins de consumo (importação pelo consumidor final), seja ela para revenda, ou mesmo industrialização.

Nessa mesma toada, tem-se também uma uniformização de entendimento quanto à possibilidade de uso dos créditos acumulados dos tributos não-cumulativos, como o ICMS e o IPI, com os futuros débitos do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), nome que, até o momento, será dado ao nosso IVA.

Atualmente, é sabido que os tributos aduaneiros não podem ser quitados por meio do uso de créditos acumulados. Tanto o IPI quanto o ICMS, bem como o PIS e a Cofins, devem ser pagos quando do registro da Declaração de Importação. Os tributos federais por débito automático, enquanto que o ICMS por meio da emissão de guia de pagamento.

Decerto, tornar possível a quitação do IBS-Importação com o crédito acumulado geraria uma grande modificação nas normas infralegais atinentes ao comércio exterior, bem como no próprio Pucomex. É sabido que os tributos aduaneiros constituem uma eficaz fonte de receita para os estados, dado o fato de seus pagamentos se darem previamente ao próprio desembaraço aduaneiro, de forma antecipada, com o registro da Declaração de Importação.

Com eventual possibilidade de quitação do IVA aduaneiro com créditos acumulados, a vantagem do caixa antecipado para o erário deixaria de existir. Por tal motivo, temos como improvável eventual concessão em tal sentido por parte dos entes públicos. É mais provável que o direito ao uso dos créditos acumulados previamente à criação do IBS seja restrito às etapas de circulação das mercadorias que se deem em momento posterior à atividade de importação.

Há indicação, inclusive, de que haverá a necessidade de uma Lei Complementar para tratar da forma pela qual se dará a autorização para o uso dos créditos acumulados. Diversos importadores, vale salientar, possuem muitos créditos acumulados, seja em razão dos diversos incentivos tributários criados por entes estatais para incrementar atividades de importação, seja por ocasião das medidas tomadas para colocar fim à guerra fiscal, como o incremento da alíquota interestadual de 4% para os produtos importados (considerando a alíquota de entrada de 18%, salvo uma margem exorbitante, a tendência é que haverá acúmulo de crédito caso a saída imediatamente posterior à importação seja interestadual).

Não haverá, ainda, a substituição do Imposto de Importação, que continuará em plena vigência, na condição de custo adicional para o importador brasileiro. Também não há qualquer menção à revogação da Tabela do Imposto sobre Produtos Industrializados (Tipi), hoje vigente. Imaginamos, no entanto, que permaneça a existência de alíquotas diferenciadas em razão das características dos produtos, demandando a continuidade das atividades de criação de cargas tributárias diferentes para os diversos produtos importados no Brasil. De igual modo, não há que se falar acerca do abandono da atividade de classificação fiscal de mercadorias.

A atividade de classificação fiscal de mercadorias é uma atividade que não diz respeito à complexidade do sistema tributário brasileiro, mas consiste em uma prática global, inclusive com regras devidamente uniformizadas por meio de entidades internacionais, como a Organização Mundial das Aduanas (OMA). Assim, ao contrário do que apontam algumas reportagens, questões concernentes às características de chocolates, sandálias e afins continuarão a existir, ainda que o Congresso realize uma mega simplificação do sistema tributário pátrio.

Por óbvio, a retirada do ICMS-Importação do arcabouço tributário que hoje incide nas operações de comércio exterior gerará uma grande simplificação, impactada também pela retirada do PIS e da Cofins do cenário.

Enquanto atualmente cada Estado cria um arcabouço legislativo próprio para o ICMS, em especial quanto aos regimes especiais e incentivos fiscais, com a saída de cena do tributo estadual a complexidade minguará, haja vista que as regras serão uniformes, conforme prometido pelos legisladores, reduzindo o impacto do local de entrada da mercadoria, bem como da localização do destinatário final, para fins de definição de sujeito ativo/passivo do tributo aduaneiro estadual.

Assim, problemas relacionados às importações por conta e ordem de terceiros tornar-se-ão favas contadas. Ficarão para a história do comércio exterior.

Por fim, para alguns produtos, como cigarros e bebidas alcoólicas, haverá a incidência, também, do Imposto Seletivo. O referido tributo terá por razão de existir o desestímulo ao consumo de produtos potencialmente danosos à saúde e ao meio-ambiente. Um autêntico tributo extrafiscal, que visará inibir o consumo de mercadorias selecionadas.

Por Luciano Bushatsky Andrade de Alencar é advogado, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e em Direito Penal e Processual Penal pelo Instituto de Direito Público (IDP), mestre em Direito pela Escola de Direito de SP da FGV, autor do livro Subfaturamento e Subvaloração na Importação e sócio do escritório Bushatsky & Marques Advogados.

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Daniela da Rocha Marques é advogada, especialista em Direito Tributário pela Escola de Direito de São Paulo da FGV e em tributação internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e sócia do escritório Bushatsky & Marques Advogados.

Via Conjur