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O advogado Edson Vismona, presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade e do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial participou, na sexta-feira, em Florianópolis, de reunião do Conselho Estadual de Combate à Pirataria. Ele falou sobre o tamanho do mercado ilegal brasileiro, que cresce a cada ano, apesar do aumento das apreensões feitas pelos órgãos de repressão. Só no ano passado, foram perdas de R$ 146 bilhões para o país. Vismona também destacou a relação entre o comércio de produtos piratas e falsificados e o financiamento de outras organizações criminosas. “Esse dinheiro vai para uma organização, que trabalha com esse comércio ilícito, e depois para a compra de drogas e de armas. E isso afeta diretamente a nossa segurança”, sustenta. O especialista defende o fortalecimento de ações integradas entre Estados e países pró- ximos para evitar que os produtos contrabandeados entrem pelas fronteiras, portos e aeroportos.

O senhor percebe avanços no combate à pirataria no Brasil?
Estou nessa luta desde 2005, quando começamos no combate ao comércio ilícito de eletrônicos, e temos avançado sim. Percebo, por exemplo, que a mídia já não se surpreende com esse trabalho. No início, as pessoas perguntavam porque combater pirataria. Hoje, não mais. Porque já têm consciência dos enormes prejuízos que são causados pelo mercado ilícito, que afeta a geração de empregos, a atração de investimentos, a geração de renda e o nosso desenvolvimento. Não é justo que um comerciante tenha que pagar todos os impostos, licenças junto à prefeitura, cumprir tudo junto ao poder público e sofrer a concorrência de quem não paga nada disso. Isso é absolutamente desleal. Precisamos fazer com que todos cumpram com as mesmas regras. É o princípio básico. Não temos nada contra o comércio popular. Temos contra o comércio ilegal, aquele que não cumpre com as obrigações. Todos nós, brasileiros, temos que cumprir com nossas obrigações. O governo também tem desenvolvido, cada vez mais, ações para combater a ilegalidade, mas, porém, a nossa população ainda aceita. Ainda acha que levar vantagem é importante a qualquer custo.

Quando o senhor fala em avanço, faz referência principalmente à fiscalização?
Nos últimos anos, houve crescimento muito grande de apreensões de produtos, especialmente de contrabando, pelas nossas fronteiras, em vários Estados fronteiriços. Demonstra esforço, apesar da falta de recursos. Com muito pouco, as nossas forças de fronteira – Polícia Federal, Receita e PRF – estão fazendo muito mais apreensões. Mas é um fenômeno que nos assusta muito. O montante de perdas vem crescendo sempre, a cada ano. Começamos a fazer esses levantamentos junto aos setores produtivos, mostrando quanto se perde. Em 2014, foram R$ 100 bilhões. Em 2015, R$ 115 bilhões; em 2016, R$ 130 bilhões. E em 2017, R$ 146 bilhões. É um valor significativo. Mostra que, não obstante. todo o esforço com mais apreensões, o mercado ilícito continua crescendo.

O problema é maior em qual setor?
O cigarro: 48% do mercado brasileiro é contrabandeado. A marca mais vendida do país é contrabandeada, perdas de mais de R$ 9 bilhões só em sonegação. É um setor que sofre muito com isso. E o que é pior é a moeda de troca para o crime organizado. Tem muita liquidez. Ou seja, esse dinheiro vai para a organização criminosa que trabalha com esse comércio ilícito e depois para a compra de drogas e de armas. Afeta diretamente a nossa segurança.

Normalmente, as pessoas não fazem a associação que esse comércio ilegal financia outros crimes. Isso está bem mapeado?
Totalmente. Inclusive neste ano importante, eleitoral, coordenamos um movimento em defesa do mercado legal brasileiro, que reúne mais 70 entidades produtivas dos setores industriais, comerciais e de serviços. Vamos entregar aos candidatos e aos representantes governamentais um manifesto, “Segurança e desenvolvimento”, que demonstra que precisamos articular melhor as forças de segurança nas fronteiras, estradas e cidades. Temos que ter ações integradas e coordenadas, mostrando a relação direta do contrabando, da pirataria, da falsificação de produtos, com as organizações criminosas. É mecanismo de financiamento dessas organizações. E tem relação direta com a nossa segurança.

Há necessidade de mais conscientização do consumidor, então?
Sim, há uma incoerência do brasileiro. Fizemos recentemente uma pesquisa que mostrou que 86% dos brasileiros afirmaram entender que o dinheiro do contrabando financia organização criminosa. 85% também afirmaram que não votarão em candidatos que não se comprometerem com o combate ao contrabando. Só que em outra pesquisa, 70% afirmou que compra produto pirata. “Eu sei que tô financiando o crime organizado, a munição e a arma que vai matar a população brasileira, mas ainda sim compro”. Precisamos quebrar com isso, ter claro essa visão mais ética, profunda. Cada um de nós tem responsabilidade nesse processo. Para combater a criminalidade, temos que evitar que ela seja financiada. E uma forma de impedir é não comprar produtos ilegais.

A CPI da Pirataria trouxe benefício prático?
Foi um passo muito importante, o primeiro movimento de conscientização sobre a importância do problema. Até 2013, quando houve a comissão parlamentar de inquérito, era discutido como algo não muito relevante.

Os criminosos têm sido punidos?
A impunidade no Brasil é uma doença horrível. Muitas vezes o contrabandista é solto antes do policial que ficou no distrito preenchendo o relatório. É um absurdo. Ele já trata com escárnio a autoridade policial. Nenhum país fica desenvolvido se não respeitar a lei, e não tiver princípios éticos. Os países com maior índice de desenvolvimento humano são aqueles que defendem a lei e a ética. Estamos na ponta de baixo e precisamos reverter esse processo, para combater a impunidade e botar o crime no seu devido lugar.

Via jornal Notícias do Dia – 10/04/2018