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Exposição clara, didática e objetiva. A pesquisadora e professora de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Gentil, destruiu, de forma contundente, todos os argumentos usados pelo governo federal para justificar a reforma da Previdência nos termos propostos na PEC 287/2016.

A palestra “O país sob o risco da destruição da Previdência Social” aconteceu no dia 30 de março de 2017, na Faculdade de Direito da UFMG, em Belo Horizonte, e foi uma realização da Frente Mineira Popular em Defesa da Previdência Social e do Coletivo Mineiro de Resistência: Alternativa Popular.

Uma das maiores especialistas no tema, Gentil informou que integra um grupo de sete pessoas — entre doutores em Economia, engenheiros e outros pesquisadores — que se debruçaram sobre o modelo atuarial apresentado pelo governo na Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisa a PEC e refutaram, com fundamentos sólidos, as estimativas e cálculos utilizados no documento.
Segundo a professora, a contraposição aos dados apresentados pelo governo o forçou a rever os cálculos e apresentar, às pressas, novo modelo atuarial, também precário e infundado, sem transparência quanto à memória de cálculos. “Para se ter uma ideia, eles projetaram um crescimento real do salário mínimo maior do que o crescimento projetado para o PIB. Como chegaram a isso não sabemos, pois não apresentaram sequer a memória de cálculos. E é óbvio que, com esse cenário ‘construído’, o futuro seria perverso”, pontuou. “Gente, o governo está brincando de fazer reforma e debochando da nossa cara”, lamentou com escárnio.

O que tem determinado o resultado fiscal da Previdência

Em sua exposição, Denise Gentil criticou o que chama de total inconsistência fiscal praticada pelo governo, demonstrando o que vem sendo afirmado e defendido pelos críticos da reforma nos termos propostos, inclusive a ANFIP e a ANFIP-MG.
De acordo com ela, não se pode desconsiderar fatores que provocam a queda da arrecadação na Seguridade Social (veja abaixo). Entretanto, a despeito disso, segundo informações do Banco Central, em 2016, o governo apresentava uma disponibilidade em caixa de mais de R$ 1 trilhão. “Ele anuncia déficit, mas pratica renúncia absurda de receitas. Precisamos saber qual é o discurso correto”, questionou.

Os determinantes do resultado fiscal da Previdência Social

1) A taxa de desemprego, que derruba a contribuição social dos trabalhadores formais para a Previdência Social;
2) As desonerações nas receitas da Seguridade Social, cujo montante para 2017 está estimado em mais de R$ 150 bilhões (cerca de 2,2% do PIB);
3) A desvinculação de 30% das receitas da União (DRU), para fins diversos dos que foram ordenados originariamente (boa parte dos recursos da DRU deveriam ir para a Seguridade Social, mas são desviados por meio de emendas à Constituição);
4) Não cobrança dos devedores da Previdência. Em 2015, de cerca de R$ 350 bilhões de estoque da dívida, foram cobrados apenas 0,32%, pouco mais de R$ 1 bilhão;
5) A sonegação fiscal estimada em 2015 chega a mais de R$ 450 bilhões, sendo R$ 103,17 bilhões só em contribuições previdenciárias;
Em seguida, Gentil indagou se a Previdência é o que de fato está provocando os problemas na dívida pública, defendendo que a reforma que precisa ser feita é a da política fiscal, relacionada ao Banco Central. “Em 2016, 53% do crescimento da dívida foi decorrente dos juros nominais elevados, 26% do câmbio valorizado; e 21% foi resultado primário. Ou seja, 79% da dívida pública é decorrente das operações de política monetária e cambial (operações compromissadas, para definir a taxa de juros e o câmbio)”, explicou.

Uma reforma desigual

Para solidificar ainda mais o entendimento de que a reforma da Previdência proposta pelo governo é absurda, a professora Denise Gentil mostrou indicativos de que a mudança prejudicará sobretudo os mais pobres, já que a expectativa de vida deles é bem menor. “As desigualdades não são apenas regionais, mas urbanas também. E tem mais, querem comparar dados demográficos com outras nações, mas a probabilidade de um homem no Brasil não chegar aos 65 anos de idade é de 37%, enquanto na Austrália é de 14%. Em 19 municípios brasileiros a expectativa de vida é de exatamente 65 anos. Em 81, é inferior a 67 anos. Então, suponha dois jovens de 20 anos, sendo um de Alagoas (homem) e outro de Santa Catarina (mulher). Ele viverá 14 anos a menos do que ela. Chegará até os 69 anos e irá usufruir apenas quatro anos de aposentadoria. Ela, 18 anos”, argumentou.

A quem interessa a reforma da Previdência?

Para completar, Denise Gentil apontou os interesses por trás da eventual reforma. De acordo com ela, a mudança visa atender a três grupos: os bancos, porque seus fundos de previdência privada complementar ampliam suas carteiras; os proprietários de títulos públicos; e as bancadas do Congresso Nacional que pactuam com os lobbies que negociam votos. Para comprovar a afirmação, mostrou a agenda do secretário da Previdência, Marcelo Caetano, desde 1º de agosto de 2016, em que constam encontros com representantes de bancos, rentistas e empresários. “Somente no dia 5 de dezembro de 2016 é que representantes de centrais sindicais foram ouvidos, quando os bancos já haviam ditado todos os termos da reforma proposta”, afirmou.

Participação da ANFIP-MG

A presidente do Conselho Executivo da ANFIP-MG, Ilva Franca, compôs a mesa de honra do evento, representando a Associação e a Frente Mineira Popular em Defesa da Previdência Social. Ela fez um breve histórico da atuação da Frente Mineira, mencionando o debate público sobre a reforma da Previdência, realizado em junho de 2016, na ALMG, e a formação da Frente Parlamentar Mineira em Defesa da Previdência Social, naquela ocasião. “Desde então, estamos na luta contra essa proposta nefasta (PEC 287/2016). Para nós, ela representa a verdadeira destruição da Previdência Social Pública e da Seguridade Social”, disse.

Ilva Franca também frisou o fato de que o secretário da Previdência não se reuniu com as lideranças dos trabalhadores para construir a proposta de reforma. “O governo quer acabar com a Previdência Social — que atende toda a população, principalmente os mais pobres — e encaminhar a classe média para a previdência privada”, pontuou. Ela ainda destacou que “estamos em um momento decisivo, já que a estratégia do governo é dividir para enfraquecer o movimento, retirando da proposta os militares e, recentemente, os servidores públicos estaduais e municipais”, observou.

Também estiveram presentes a vice-presidente de Política de Classe e Cultura Profissional da ANFIP-MG, Maria José Comanduci, e o vice-presidente de Assuntos da Seguridade Social da ANFIP, Décio Bruno Lopes.

Confira aqui a apresentação da palestra.

Fonte: ANFIP-MG