A provável manutenção dos juros em 14,25% ao ano por mais tempo não deverá ter impacto relevante sobre a atividade econômica, segundo analistas. Além de a expectativa generalizada ser de um adiamento por apenas alguns meses do início do ciclo de queda da Selic, um Banco Central (BC) comprometido em levar a inflação para a meta de 4,5% no ano que vem pode ajudar a reduzir as taxas de juros de mercado, as que efetivamente determinam o custo de empréstimos e financiamentos.

Para o analista Antonio Madeira, da MCM Consultores Associados, é possível que o BC comece a cortar os juros apenas em outubro, depois da mensagem mais dura sobre a política monetária contida no Relatório de Inflação e na entrevista de ontem do presidente da instituição, Ilan Goldfajn. Nesse cenário, o BC promoveria duas reduções de 0,25 ponto percentual na Selic neste ano, uma em outubro e outra no fim de novembro, avalia Madeira. Antes, ele trabalhava com três cortes de 0,25 ponto na segunda metade de 2016, começando o ciclo de queda dos juros em agosto. Esse eventual adiamento da primeira queda da Selic, porém, não deve ter grande impacto sobre a economia, diz Madeira, que não vê motivos para mudar as suas projeções de uma retração do PIB de 3,4% em 2016 e de um crescimento de 1,3% em 2017.

O economista ­chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira, também espera que o BC comece a reduzir a taxa Selic apenas em outubro, avaliando que a instituição não vê espaço para afrouxar a política monetária neste momento. Essa atitude mais cautelosa, porém, não deverá impedir que a economia cresça um pouco mais de 2% em 2017, diz ele, que projeta expansão do PIB de 2,1% no ano que vem, uma das mais elevadas do mercado.

“Muito pelo contrário”, responde Oliveira. “A postura mais cautelosa [do BC] deve impactar positivamente a atividade econômica, ao reduzir a ponta longa da curva de juros e colaborar na percepção de que o compromisso em reduzir a taxa de inflação para a meta é pra valer”. Segundo ele, “é muito importante ter em mente que taxas de inflação elevadas reduzem o potencial de crescimento da economia, bem como o de geração de empregos e de renda”. Para ele, essa atitude mais dura do BC é que “permitirá mais rápida convergência das expectativas para a meta da inflação de 2017 e, assim, o início do ciclo de afrouxamento monetário”. Oliveira estima dois cortes de 0,5 ponto da Selic, nas reuniões de outubro e novembro, com a Selic terminando 2016 em 13,25% e 2017 em 9,75%.

Daniel Weeks, economista­chefe da Garde Asset Management, também adiou sua estimativa de início do ciclo de corte de juros, de outubro para novembro. Para ele, o BC deve monitorar alguns riscos relevantes, como a tramitação da PEC do gasto e a evolução dos preços agrícolas, antes de decidir quando reduzir os juros. A contrapartida, porém, deve ser um corte de juros maior ao longo de 2017, para 10,75% ao fim do ano, estima.

Para Weeks, essa mudança não deve comprometer a retomada da economia, que já começa a aparecer nos indicadores de confiança, principalmente na indústria. Independentemente da política monetária, os índices estão, em sua avaliação, refletindo a tentativa do novo governo de “limpar” os riscos fiscais e políticos que tiveram um efeito bastante deletério sobre as expectativas no ano passado.

O compromisso de Ilan com o centro da meta de inflação, diz ele, faz parte do trabalho da equipe econômica como um todo de “arrumar a casa”, restabelecendo o tripé macroeconômico formado por meta de inflação, política fiscal sob controle e câmbio flutuante. “E isso é mais importante do que ter Selic temporariamente mais baixa”.

Esse conjunto de fatores, diz, permite antever crescimento a partir do segundo semestre do ano e alta de 1% do PIB em 2017.

Luiz Eduardo Portella, sócio­gestor do Modal Asset, estima que a economia pode crescer entre 1% e 1,5% no próximo ano, a depender do ritmo de retomada da confiança. Para ele, o fato de o BC ter se comprometido com uma desinflação mais rápida da economia atua nesse sentido, já que esse é um vetor importante de aumento da confiança de consumidores.

Portella também avalia que a manutenção da taxa básica de juros em 14,25% ao ano por um tempo mais longo, até outubro, não deve atrapalhar a recuperação da atividade. O conservadorismo do BC favorece diminuição da curva de juros futura, já vista ontem no mercado, taxa mais importante para decisões de investimentos, comenta. “Há anos estamos com inflação no topo da meta. Precisamos que o IPCA fique mais perto de 4,5% para melhorar o ambiente de negócios, a confiança do consumidor, dos empresários”, diz.

Madeira diz ainda que um eventual conservadorismo maior na largada do ciclo de queda dos juros pode permitir que a Selic caia com mais força depois. O ciclo seria “mais longo e mais pronunciado”. Com isso, a Selic pode até mesmo ficar abaixo dos 12,5% no fim de 2017, número projetado hoje pela MCM.

 

Via Valor Econômico