Nos últimos meses, surgiu em Santa Catarina (SC) uma proposta de associações de varejistas para a alteração da alíquota interna do ICMS incidente sobre o vinho dos atuais 25% para 12%. Dois argumentos sustentam a proposta: os estados vizinhos do Paraná e Rio Grande do Sul já aplicam uma alíquota de ICMS inferior a de SC nas operações com consumidor final; e a invasão de vinhos importados oriundos de operações de descaminho, tendo como porta de entrada a fronteira oeste de Santa Catarina com a Argentina.

Em uma análise superficial, a proposta pode parecer sensata e induzir um gestor tributário inexperiente a adotá-la. Com a alteração, espera-se que a redução da alíquota do imposto supostamente diminua o preço da mercadoria ao consumidor final e incentive o seu consumo, com o consequente reflexo em aumento na arrecadação do imposto. Ainda como resultado, há a equalização da carga tributária do produto com as duas unidades da federação limítrofes e, por fim, um efeito neutralizante sobre a concorrência desleal do vinho proveniente da importação irregular.

Porém, a análise conclusiva não é trivial e simples como sugere ser! Ainda que o vinho tenha a simpatia de parte da população, é uma bebida alcoólica que em consumo excessivo causa externalidades negativas e, como tal, classificado como um bem supérfluo. Em uma perspectiva técnica, a redução de sua carga tributária de 25% para 12% pode ter dois efeitos no preço ao consumidor.

No primeiro, o vendedor repassa integral ou parcialmente o benefício e o preço do produto ao consumidor é reduzido. Dada essa condição, surgem dois questionamentos:

  1. a) Quem é o consumidor do vinho que se beneficia da redução do imposto?

Em geral, o vinho é demandado por indivíduos com renda média ou alta. Nesse caso, o estado de SC abre mão de receita tributária, que é aplicada em serviços públicos (utilizados principalmente pelos menos favorecidos) para transferi-los àqueles com maior poder aquisitivo. Em uma breve síntese do processo, o Fisco reduz o tributo da bebida alcoólica consumida pelo cidadão de renda média e alta em detrimento de obter recursos para atender ao indivíduo com menor renda. Observa-se a inversão da função distributiva do Estado, o que não faz qualquer sentido!

  1. b) Haverá aumento de consumo de vinho pela redução de preço?

Para responder a esse questionamento é preciso que seja determinada a elasticidade do preço da demanda de vinhos. Há um bom número de estudos científicos internacionais que se dedicaram a estimar a sensibilidade na demanda quando há variação no preço do vinho.  Gallet (2007)1, por exemplo, fez uma síntese de 132 trabalhos que visaram estimar algumas destas elasticidades em diferentes países, incluindo trabalhos realizados de 1958 até 2003. A mediana para a elasticidade preço da demanda para o vinho, baseada neste conjunto de trabalhos, foi de -0,70, ou seja, ela é parcialmente inelástica e demonstra que consumidores são relativamente insensíveis a variações no preço. Portanto, rechaça-se a hipótese de um aumento relevante no consumo de vinho (e consequente aumento de arrecadação) pela redução no seu preço.

Salienta-se que no mesmo estudo, Gallet (2007)1, encontrou uma elasticidade renda positiva de 1,10 para o consumo de vinho em sua amostra. Nesse caso, nota-se que a demanda é influenciada pela variável renda e não pelo preço. Empiricamente, tais conclusões são razoáveis e típicas de um produto supérfluo (bem superior), já que o indivíduo de renda média ou alta não modifica seu padrão de consumo de vinho em razão de alterações no preço, mas aumentará o consumo se sua renda variar positivamente.  Por exemplo, um cidadão com remuneração mensal de R$ 10 mil consome 5 garrafas de vinho por mês, ao preço unitário médio de R$ 50. A redução de R$ 6,50 no preço da garrafa de vinho não incentivará o indivíduo a consumir uma unidade adicional do produto. Contudo, se sua renda aumentar para R$ 15 mil haverá uma propensão ao aumento do consumo de vinho, seja pelo incremento na quantidade de unidades ou pelo valor dispendido. Um aspecto particular do vinho, dada a grande diversidade de fabricantes, é que em alguns casos ele pode ser um bem de Giffen (demanda aumenta quando o preço aumenta) e muitos consumidores consideram na decisão de compra a faixa de preço do produto e não sua preferência (se é caro, é bom!).

No segundo efeito da redução de alíquotas, o vendedor não repassa o benefício ao consumidor e o preço do vinho não é alterado. Nesse caso, o ofertante aumenta sua lucratividade no produto em detrimento da arrecadação do imposto estadual. Novamente observa-se o deslocamento de recursos, agora da parcela dos usuários de serviços públicos para o comerciante de vinhos.

Há de se considerar também que o estado de Santa Catarina tem um incentivo fiscal para a indústria de vinho com a permissão de utilização de crédito presumido na apuração do imposto que resulta em uma alíquota efetiva de ICMS de 4%2. Na prática, o produtor de vinho transfere um crédito de 25% ao varejista na operação interna e faz o pagamento de apenas 4%2 do valor do imposto devido. A proposta de redução da alíquota do vinho de 25% para 12% reduzirá significativamente o benefício fiscal concedido aos produtores e poderá desincentivar a manutenção e geração de empreendimentos do setor.

A equalização de alíquotas com estados vizinhos não é relevante para a tomada de decisão, já que não parece racional e economicamente viável que um indivíduo se desloque de seu estado para outro para realizar o consumo de vinho. A respeito das operações de descaminho, elas devem ser combatidas pela ação repressiva do estado e não por uma política tributária com impactos fiscais.

Diante dessas argumentações, conclui-se que a proposta de redução da alíquota do vinho transfere recursos do Estado para o indivíduo de renda média/alta ou ao vendedor, sem, contudo, ter impacto no aumento do consumo ou da arrecadação. Há ainda uma anulação parcial do incentivo concedido à indústria local de produtores de vinho. Ao formulador de políticas públicas cabe a busca do bem estar social e a redução da desigualdade que, nesse caso, parecem estar distantes da iniciativa de redução de alíquota tributária de um bem supérfluo e consumido por indivíduos com bom poder aquisitivo.

* O presente texto representa única e exclusivamente a opinião do autor. Não reflete posição da Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina ou do Grupo de Especialistas em Fiscalização de Bebidas (GESBEBIDAS).

1GALLET, C. A. The demand for alcohol: a metaanalysis of elasticities. Australian Journal of Agricultural and Resource Economics, v. 51, n. 2, p. 121-135, 2007.

2 A utilização de créditos presumidos reduz a carga tributária efetiva da operação para 3%, mas o produtor deve ainda contribuir com 1% do valor do faturamento obtido com a comercialização dos produtos incentivados (vinhos).

Por Leandro Luis Daros – Auditor Fiscal da Receita Estadual