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O déficit da Previdência é real ou é uma manobra fiscal do governo para justificar a proposta encaminhada para o Congresso Nacional? Para o presidente da Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), Vilson Romero, a segunda afirmação está mais próxima da realidade. Em entrevista concedida ao Sul21 na última sexta-feira (3), ele explica como a entidade chega a essa conclusão e prevê que, se aprovada da forma como foi encaminhada ao Congresso, a reforma da Previdência atinge de forma violenta os direitos dos trabalhadores, especialmente dos mais pobres.

A posição da Anfip ganhou notoriedade após a divulgação de um vídeo que tinha como objetivo “desmascarar a farsa do rombo da Previdência” (ver abaixo), que traz uma série de informações que comprovariam que, ao contrário do que o governo fala, a Previdência seria superavitária. Isto é, se o governo federal não utilizasse os recursos que deveriam ser destinados a ela para outros fins.

Ao Sul21, Vilson Romero afirmou que, até então, a Anfip não tinha recebido nenhuma notificação e que não tinham conseguido comprovar a veracidade do encontro, mas ressaltou que a associação tinha denunciado a situação e recebido o apoio de mais de 100 entidades.

Romero diz, porém, que a Anfip passou a ser visada por se constituir em um dos raros contrapontos à defesa da necessidade de uma reforma previdenciária, uma vez que a maior parte dos grandes veículos de comunicação tem se posicionado favoravelmente e feito matérias com fontes que vão ao encontro dos interesses do Planalto. Segundo ele, a entidade já pediu, via Lei de Acesso à Informação, dados sobre quanto o governo federal gasta com a publicidade da reforma.

“Há um volume de verba publicitária muito elevado que resulta na massificação da mensagem. Queremos saber quanto estão custando os outdoors nas ruas, as placas nos aeroportos, as páginas inteiras na mídia impressa. Tudo isso é muito preocupante porque parece que só há um único lugar comum. Um discurso único. Inclusive nós só temos as redes sociais ou, a muito custo, também pagando para fazer as inserções”, afirma.

Há déficit?

Oficialmente, o governo federal afirma que a Previdência Social registrou, em 2016, déficit nominal de 149,7 bilhões, tendo arrecado R$ 364 bilhões (-6,4% ante 2015) e as despesas com benefícios somando R$ 515,9 bilhões (+6,6% em relação ao ano anterior). Desse déficit, R$ 46,8 bilhões diriam respeito à previdência urbana e R$ 105 bilhões à previdência rural.

Romero, no entanto, afirma que o governo “dá uma pedalada constitucional” e “faz contabilidade criativa” ao misturar despesas relativas às aposentadorias dos servidores civis e militares com outros programas sociais da seguridade social, como as áreas de saúde, assistência e previdência. Além disso, afirma que nunca foi criado um fundo para gerir os recursos arrecadados ao longo dos anos com as contribuições dos servidores. “Ao fazer essa confusão e jogar no colo da Previdência e própria seguridade esse desequilíbrio que há dos desgovernos seguidos, isso obviamente gera um resultado negativo”, afirma.

A Previdência é financiada com recursos das contribuições sobre a folha de salários dos trabalhadores empregados (contribuem tanto empregador quanto empregado); contribuição sobre a renda bruta das empresas (Cofins); Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL); contribuição sobre a renda líquida dos concursos de prognósticos, excetuando-se os valores destinados ao Programa de Crédito Educativo; e outras de menor valor.

“Se analisarmos 2016, nessas receitas, o governo arrecadou R$ 700 bilhões e pagou benefícios na ordem de R$ 500 bilhões. Mesmo que a gente estime R$ 100 bilhões para a saúde e mais R$ 50 bilhões para assistência social, ainda vai sobrar dinheiro. Pode até conjunturalmente ter alguma dificuldade em 2016, mas, se pegarmos os últimos 20 anos, sempre sobra dinheiro e isso tem usado para outras finalidades, em especial, o pagamento de juros”, afirma Romero, acrescentando ainda que, conforme previsto no Orçamento da União de 2017, 44% dos gastos do governo federal serão destinados para o pagamento de juros e financiamento da dívida pública e 20% são referentes à Previdência Social. ” Onde está o problema?”, questiona.

De outro lado, ele pondera que o governo vem, desde que a Previdência Social foi criada, tomando recursos das contribuições para aplicar em outras áreas. “Nos antigos IAPs (Institutos de Pensão e Aposentadoria), era obrigatória a aplicação dos recursos destinados às aposentadorias em empresas nacionais. Foi usado para constituição da Companhia Siderúrgica Nacional, da Vale do Rio Doce, etc. Depois, o próprio BNDES e o IPEA, por ocasião do governo FHC, fizeram um levantamento de tudo que o governo se apropriou dos saldos positivos da Previdência entre 1966 e 1999. Isso deu, em 1999, um valor de R$ 400 bilhões. Hoje seriam R$ 1,4 trilhão, que serviria de fundo de previdência social”, afirma.
Já nos últimos 20 anos, o governo teria utilizado o artifício da Desvinculação das Receitas da União (DRU) para repassar dinheiro das contribuições previdenciárias para outras áreas. Segundo Romero, boa parte desse dinheiro tem sido usado para o pagamento de juros e amortização da dívida pública.
Consequências da reforma

Para Romero, a reforma da Previdência encaminhada pelo governo federal ao Congresso é “extremamente excludente” porque atinge, em especial, a parcela mais pobre da população e os que mais precisam da seguridade, como deficientes e idosos carentes. Caso ela passe sem alterações, ele diz que “teremos uma medida violenta no corte de direitos”.

“Os jovens não vão querer saber de Previdência, porque se entra no mercado de trabalho agora e vê que vai ter que trabalhar e contribuir 50 anos. Por que ele vai entrar nessa Previdência que o próprio governo diz que está quebrada?”, questiona. “Ao mesmo tempo, vai haver um consequente achatamento de todos os benefícios e cada movimento nessa direção permite que o sistema financeiro abocanhe uma fatia maior da Previdência. Por outro lado, vai prejudicar o trabalhador do campo, professores, policiais. Os que ganham menos, com certeza, serão os mais atingidos, porque vão ter que trabalhar quase meio século para ter um valor de aposentadoria perto do que ganham no fim de carreira. A mulher do campo, que começa a trabalhar aos 8 ou 9 anos numa lavoura, terá que trabalhar até os 65 anos para fazer jus a uma aposentadoria de um salário mínimo. Ao mesmo tempo, pensionistas aposentados, a viúva que trabalhou e contribuiu a vida inteira, vão ter que escolher entre um benefício e outro”, afirma.

Alternativas à reforma

Segundo Romero, a Anfip e as centrais sindicais já apresentaram uma série de alternativas que ajudariam o governo a recompor o alegado déficit pelo lado das receitas sem a necessidade de uma reforma tão draconiana, como a redução de incentivos e renúncias fiscais, a cobrança da dívida ativa, a alienação de imóveis sem uso de propriedade do INSS, deixando de aplicar a DRU sobre contribuições sociais, entre outras medidas.

“Até podemos concordar em ajustes em razão da evolução demográfica, porém não podemos estabelecer a mesma regra num país continente com tamanhas desigualdades. Temos que fazer todos os ajustes no lado das fontes de financiamento e promover a abertura da ‘caixa preta’ do sistema, com uma Auditoria da Seguridade Social por parte do TCU (Tribunal de Contas da União) e uma CPI da Previdência como já se alinhava no Senado Federal”, conclui.

FonteSul 21/Via A Previdência é Nossa