Conselho deveria contribuir para um debate nacional mais assertivo sobre as soluções de longo prazo do país

Há um descontentamento da sociedade brasileira com a atuação do Estado, que arrecada muito e entrega pouco. O Brasil, assim, precisa de mudanças culturais radicais por parte de todos: pelo Estado (os três poderes), pela sociedade civil e pelos diversos fóruns públicos e privados. O corriqueiro questionamento “o que o Estado pode fazer por mim?”, deve mudar para “o que eu posso fazer pelo Estado?”.

Além do mais, urgem menos discussões supérfluas e mais debates estratégicos, focados na obtenção de resultados concretos para o bem-estar do cidadão brasileiro e para o fomento da competitividade do país. Isto inclui uma reflexão sobre a atuação do Confaz, que pode tornar-se um fórum ainda mais relevante do que já é, especialmente considerando que uma reforma tributária está por vir. O Confaz, pois, deve passar a ver o que ainda está invisível a este. Como livrar-se deste oximoro?

O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) é um fórum formado pelos secretários de fazenda dos estados e do distrito federal, e presidido pelo ministro da economia. Sua constituição se deu em 1975, através da Lei Complementar n° 24 (fundamentada pela Constituição Federal, art. 155, inciso II e § 2°, inciso XII, e pelo Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 1966, arts. 102 e 199), e sua função há 40 anos resume-se, precipuamente, em celebrar convênios para efeito de concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais e financeiros do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação – o ICMS.

O Conselho, desta maneira, aloca pouco tempo para lidar com assuntos relativos aos pontos “e” e “f” do seu regimento interno, aprovado pelo Convênio ICMS 133/97, que são: “promover estudos com vistas ao aperfeiçoamento da Administração Tributária e do Sistema Tributário Nacional como mecanismo de desenvolvimento econômico e social, nos aspetos de inter-relação da tributação federal e da estadual”; e “colaborar com o Conselho Monetário Nacional na fixação da Política de Dívida Pública Interna e Externa dos estados e do Distrito Federal, para cumprimento da legislação pertinente, e na orientação das instituições financeiras públicas estaduais, de maneira a propiciar mais eficiência quanto ao suporte básico oferecido aos Governos estaduais”. Além disso, dito Conselho não explora questões chaves acerca de como promover maior competitividade ao país, se atentando e explorando as diferenças regionais deste Brasil de tamanho continental.

Por sua vez, desde a existência do Confaz, o Brasil grita por ações mais eficazes de diversos matizes. De fato, há pelo menos 40 anos, o país cresce pouco, apresenta produtividade baixa (apesar de toda guerra fiscal entre os estados), dispõe de taxa de juros real expressiva, possui carga tributária complexa e alta, conta com infraestrutura precária (em particular, goza de pífio saneamento básico), reúne significativos incentivos fiscais industriais não horizontais com benefícios questionáveis, dispõe de um dos piores índices de distribuição de renda e assim por diante. Segundo o Ibre/FGV (Anatomia da Produtividade no Brasil), entre 1950 e 1980 a taxa de crescimento da produtividade brasileira foi de 4,2% a.a. e, a partir de então, de 0,6% a.a. O Brasil estagnou, enquanto países como China, Correia do Sul, México, Chile crescem consistentemente. Para completar, desde 2014, a união, muitos estados e diversos municípios passaram a conviver com séria deterioração nas finanças públicas, tornando a situação, hoje, insustentável. Ou seja, é evidente que erramos. Consertar é preciso e o Confaz pode contribuir nesse debate.

Para reverter este quadro preocupante e insatisfatório brasileiro, é necessário avançar no Congresso com uma importante agenda microeconômica. Ao menos três temas devem ser endereçados neste ano: (1) a reforma da Previdência (tornando-a mais justa e sustentável); (2) a reforma Tributária (tornando-a mais simples, transparente e eficiente ao eliminar 3 impostos federais1 – IPI, PIS/PASEP e COFINS –, o ICMS estadual e o ISS municipal em um só: no Imposto de Valor Adicionado (IVA), chamado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS)2, que terá alíquota única em nível nacional por produto – segundo a PEC 45/19 apresentada pelo deputado Baleia Rossi); e (3) a reforma anticrime (para dissuadir crimes, que inclui carteis em licitações públicas, que aumentam as despesas do Estado).

Sobre a mencionada reforma tributária, em particular, esta deve ter três objetivos essenciais. O primeiro deve ser o de assegurar à eficiência econômica ou qualidade tributária, que quer dizer: simplificação e remoção de obstáculos na produção, tendo a incidência sobre o consumo (destino), não recaindo, portanto, sobre exportações e investimentos. Ao unir alguns impostos em um só, a guerra fiscal em torno do ICMS findaria, assim como as discussões no Confaz sob os regramentos atuais.

segundo objetivo do IVA é de ter carga absoluta menor. Talvez essa possibilidade não ocorra agora, dado o elevado nível de endividamento do Estado, mas deve ser a meta de médio prazo. Afinal, ter carga tributária total de 33% do PIB traz expressiva desvantagem competitiva para o país, comparativamente aos demais países de renda média como o Brasil.

terceiro objetivo do IVA, por fim, como não se pode observar a progressividade do imposto (quem ganha mais, paga mais e vice-versa) de um imposto sobre a renda, há que ter em mente a seletividade por essencialidade (bens supérfluos ou de luxo têm IVAs maiores e bens necessários, menores). Na proposta do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) – baseada no trabalho do Centro de Cidadania Fiscal – a alíquota de partida do IBS seria aquela que replica a arrecadação dos 5 tributos e sua implementação seria gradativa, com transição de 10 anos, com o propósito da sociedade (empresários e consumidores) ir se acostumando aos poucos. A ideia é começar com uma alíquota baixa do IBS e ir aumentando aos poucos concomitantemente a redução nos demais 5 tributos.

Acrescenta-se a estes três tópicos, mais dois, com foco no médio prazo: (4) a abertura gradativa da economia, eliminando privilégios e proteções que retiram a competitividade das empresas nacionais no longo prazo (embora no curto prazo possa parecer o contrário); e (5) a promoção de investimentos em infraestrutura, especialmente em saneamento básico (setor que, muitas vezes, não interessa ao setor privado). Por fim, agrega-se a estes cinco pontos, três questões de longo prazo, mas que precisam iniciar o quanto antes, como: (6) oferta de educação básica de qualidade para todos os jovens até 18 anos; (7) a disponibilização de serviços universais concernentes à saúde e (8) a provisão de segurança pública rigorosa e confiável.

Estes problemas sociais e econômicos, contudo, acabam sendo invisíveis aos olhos dos secretários de fazendas estaduais e do ministro da fazenda, quando se encontram nas reuniões periódicas do Confaz, uma vez que a agenda é preenchida basicamente por celebração de convênios para a concessão de benefícios fiscais relativos ao ICMS.

Pior é que, muitas vezes, dito fórum trata de temas irrelevantes (assuntos que não afetam a competitividade dos estados), dissipando energia desse seleto grupo, como é o caso de discussões sobre convênios em cultura, esporte e assistência social. Além disso, gasta-se recursos financeiros com a manutenção de diversos grupos de trabalho, que durante anos discutem temas que permanecem inconclusos.

É fato que o conjunto normativo que rege as ações do Confaz impõe que o mesmo haja desta forma, mas este é um bom momento para rever ditas regras e substituí-las por outras que tragam um protagonismo deste Conselho. Uma nova lei deveria ser elaborada, destarte, para que, no encontro, possam ser discutidos problemas cruciais para o Brasil voltar a crescer e a se desenvolver. O saneamento básico em vários rincões do país, por exemplo, é lamentável. Atualmente, segundo Abcon e Sindcon, apenas 58% da população tem abastecimento adequado de água e 48% de esgoto. Educação é outro exemplo. Se Sobral, no Ceará, é reconhecido como um caso exemplar, por quê cada secretário não passa a ser um mensageiro destas boas práticas para seus estados, com o intuito de aproveitar as externalidades positivas do que é feito em outros estados e fortalecer suas produtividades locais?

Se o foco do debate no Confaz não progredir para questões mais substantivas, este Conselho poderá se tornar desimportante, especialmente se a reforma tributária extinguir o ICMS. Mesmo que o ICMS não finde, contudo, os estados deveriam alterar a forma de dar subsídio às empresas. Os benefícios, que hoje ocorrem via renúncia fiscal (isenção, redução de base de cálculo ou crédito outorgado), deveriam ter ditos valores contemplados nos orçamentos anuais apresentados e aprovados pelas Assembleias Legislativas, como despesas a serem alocadas em forma de política pública. Como todas as politicas públicas têm um custo de oportunidade (ou seja, o dinheiro despendido em uma política poderia estar sendo utilizado em outra), dar maior visibilidade à alocação dos recursos públicos traria maior transparência à sociedade de como os impostos pagaos estão sendo utilizados. Esse, aliás, poderia vir a ser um primeiro assunto de um “novo Confaz”.

Em suma, diante das necessárias mudanças culturais no Brasil, do envelhecimento da política de benefícios fiscais e da crise fiscal dos estados, o Confaz deveria contribuir para um debate nacional mais assertivo sobre as soluções de longo prazo do país, fundamentado por um novo marco normativo. Deveras, almeja-se que este Conselho possa ter uma visão holística em prol de um Brasil maior, mais competitivo e mais justo, considerando as desigualdades regionais. Até porque, na Era da 4a Revolução Industrial, inovação é tão importante quanto emprego (variável tipicamente observada para conceder incentivos fiscais) na busca por trazer maior competitividade aos estados.

Alterar Lei Complementar n° 24/75 por outra mais condizente com a realidade do século XXI, desta forma, faz sentido e deveria ser o caminho. O Confaz passaria a ver o que hoje é invisível, se tornando mais estratégico e efetivo para o país voltar a crescer e a se desenvolver.

———————————–

1 A título de curiosidade, vale mencionar os Impostos mais relevantes. Os federais são: IR (PJ ou PF), ITR, IOF, Cide, CSLL, FGTS, INSS, II, IPI, PIS/PASEP, Cofins. Os impostos estaduais são: ICMS, IPVA e ITCMD. Os impostos municipais são: ITBI, IPTU e ISS.

2O IVA (ou IBS) existe em 168 países (são 196 os países membros da ONU) sob o nome de General Sales Taxes (GST) ou de Value Added Tax (VAT). Este imposto terá legislação uniforme em nível nacional, sistema de arrecadação centralizado com distribuição automática para a união, estados e municípios.

Por CRISTIANE ALKMIN JUNQUEIRA SCHMIDT – Secretária da Fazenda de Goiás, ex-conselheira do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Via Jota Info