Um estudo inédito do Tribunal de Contas do Estado de SC, a que o Diário Catarinense teve acesso com exclusividade, revela que 87 dos 96 municípios de SC criados depois da Constituição de 1988 consomem R$ 1,1 bilhão por ano somente com a manutenção da máquina pública. Um gasto extra com pouco ou nenhum reflexo na qualidade do serviço prestado ao cidadão na ponta. Leia-se estrutura administrativa da prefeitura, folha de pagamento com servidores e comissionados, além da Câmara de Vereadores. O número leva em conta variáveis como receita per capita e índice de desenvolvimento humano.

São cidades que têm como principal fonte de recursos as transferências da União e do Estado. Apenas nove conseguiram, ao longo dos últimos 29 anos, cortar o cordão umbilical e andar com a próprias pernas graças a instalação de empresas, influenciando diretamente na arrecadação de tributos. As outras dependem do Fundo de Participação dos Municípios. São Miguel da Boa Vista, com 1,8 mil habitantes, tem 58,6% da receita oriunda do FPM. Flor do Sertão, com 1.597 moradores, tem uma dependência orçamentária de 53,2% do fundo. Ou seja, do ponto de vista de arrecadação tributária, são municípios inviáveis.

As 87 cidades do gasto de R$ 1 bi com atividade meio teriam um ganho de escala médio na arrecadação em torno de 20% caso voltassem a se fundir aos antigos municípios sede, aponta o estudo. Quase uma utopia diante dos interesses políticos que motivaram a enxurrada de emancipações no fim dos anos 1980 e começo dos anos 2000.  Com o estudo do TCE, não se pode afirmar que as administrações destes municípios são um fracasso gerencial. Apenas se constata que se gasta mal na gestão pública.

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E isso fica ainda mais evidente nos 105 municípios catarinenses com menos de 5 mil habitantes. Quanto menor a cidade, maior a dificuldade de gerar receita própria. Cria-se dependência quase visceral dos repasses federais e estaduais. A presidente da Federação Catarinense dos Municípios, Adeliana Dal Pont, defende a revisão do pacto federativo:

— Os municípios estão com atribuições cada vez maiores na execução das políticas públicas. A população espera os serviços dos gestores, que não suportam mais a concentração de recursos na União.

TCE quer levantar a discussão sobre gestão

Dado Cherem, presidente do TCE, diz que o objetivo do estudo não é o de apontar soluções definitivas, mas de levantar o debate sobre a aplicação dos recursos.

— Diariamente recebemos prefeitos com problemas na prestação de contas e percebemos que esta realidade é mais aguda nas menores cidades. O papel do TCE também é contribuir na qualidade da gestão pública — afirma Cherem.

O secretário de Estado da Fazenda, Antônio Gavazzoni, diz que o debate do custo das estruturas públicas será levantado:

— No Brasil, temos a prática de criar estruturas imaginando que isso melhora atendimento, ou realiza direitos, daí as despesas aumentam acima do PIB. É chegada a hora de debater esse assunto.

O Tribunal de Contas do Estado reconhece que o ideal seria a fusão das pequenas cidades aos antigos municípios-sede. Mas também oferece a alternativa da criação de consórcios regionais, que seriam responsáveis, por exemplo, pelas compras de material de insumo, medicamentos ou até mesmo gestão de unidades de saúde. Neste item SC engatinha até mesmo em regiões metropolitanas, como da Grande Florianópolis.

Soluções

O Tribunal de Contas do Estado acredita que o ideal seria uma nova junção dos municípios que não se desenvolveram, o que já vem sendo colocado em prática na Europa. Porém esta medida seria praticamente inviável. Então, o TCE sugere outras alternativas e reforça a ideia dos consórcios: 

Consórcios – Ainda tímidos em Santa Catarina, os consórcios têm como objetivo principal unir prefeituras em torno de interesses comuns. Os principais deles seriam vencer entraves burocráticos e adquirir insumos e equipamentos necessários à maioria deles. Por meio de uma economia de escala, as compras em quantidade garantem melhores preços. Especialista em contas públicas, Adriano Ribeiro critica a falta de iniciativas nesse sentido no Estado: –  Os políticos pensam de maneira muito imediatista e não em resultados concretos de longo prazo. Precisamos de gestores comprometidos.

Fusão – A fusão de dois ou mais municípios está prevista na Constituição de 1988, porém depende da aprovação da população por meio de um plebiscito. O próprio TCE admite a dificuldade política de levar adiante tais medidas, porém a fusão já é realidade há décadas em países como Austrália, Canadá e Alemanha.

Reabsorção – Trata-se do retorno de um município desmembrado à chamada cidade-mãe. Pode acontecer com cidades pequenas ou até mesmo médias, porém depende de consulta popular e regulamentação aprovada pela Assembleia Legislativa.

O que é o FPM

– O Fundo de Participação dos Municípios é o nome dado à distribuição das verbas de quatro impostos encaminhados pela União às cidades.

– O FPM é composto pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto sobre Propriedade de  Veículo Automotor (IPVA), Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) e o Fundo de Exploração de Petróleo (FEP). Além disso, no valor global de dezembro também está incluso o Fundo Partilhado de Investimentos Sociais (Fupis).

– O coeficiente de distribuição é variável conforme a faixa populacional. Acima de 156,2 mil habitantes, o índice torna-se fixo.

 

 

Via DC