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Mais da metade das cidades brasileiras estão com as contas no vermelho, aponta associação de Prefeituras

Pesquisa do Ipea diz que nova forma de cobrar impostos deve beneficiar arrecadação de 82% dos municípios

om 27 mil habitantes e 65 anos de emancipação política, o município goiano de Alexânia — no entorno de Brasília — tem o serviço público como um dos principais empregadores. Uma realidade frequente em centenas de cidades brasileiras, que ao longo dos anos vêm sentindo o peso dessa condição.

Sem receita própria, todos que se encontram em tal situação dependem de recursos federais para bancar investimentos e a folha de pagamento. Mas nem isso tem ajudado a fechar as contas.

No fim de 2023, pelo menos 51% dos municípios estavam no vermelho, de acordo com levantamento de associações que reúnem Prefeituras de diversas regiões do país.

O prefeito de Alexânia, Allysson Lima, sentiu esse sufoco na hora de pagar o 13º salário dos servidores. A salvação foi a lei que gerou compensação de R$ 27 bilhões da União aos estados e ao Distrito Federal.

Uma receita perdida pela redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) incidente sobre combustíveis em 2022.

O problema foi resolvido temporariamente. A esperança por uma solução definitiva está na regulamentação da reforma tributária. Após 30 anos de discussões no Brasil, a proposta de mudança do sistema tributário brasileiro foi aprovada pelo Congresso no fim do ano passado.

A mudança na legislação tem o potencial de melhorar a arrecadação das cidades brasileiras. Isso porque a reforma promete simplificar o modelo de cobrança nos impostos, o que pode resultar em uma administração dos recursos públicos mais eficiente e na diminuição da evasão fiscal nos estados.

“A expectativa de prefeitas e prefeitos é de que esse novo desenho tributário sobre o consumo prospere e incentive o desenvolvimento econômico e a geração de emprego e renda. Dessa forma, todos devem sair ganhando. No entanto, temos preocupação com a extinção do ISS, imposto que garante autonomia municipal. Com a reforma, municípios passarão a ser mais dependentes de transferências, ou seja, dependentes de recursos que não têm governabilidade”, diz Edvaldo Nogueira, prefeito de Aracaju e presidente da Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP).

De acordo com Fellipe Guerra, membro da Comissão de Estudos da Reforma Tributária, a distribuição dos recursos deve acontecer de forma mais equitativa, o que pode beneficiar municípios com menor arrecadação e contribuir para a redução das desigualdades na distribuição de receitas entre cidades.

“Estima-se que a reforma incentive o desenvolvimento econômico regional proporcional a um aumento do PIB e influenciando positivamente a arrecadação tributária”, afirma.

Ipea aponta benefícios a 82% dos municípios

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) realizou um estudo sobre o impacto da distribuição de recursos aos municípios sugerida pela reforma tributária.

A nova metodologia de cobrança, segundo o Ipea, favorece municípios menos desenvolvidos e mais pobres, muitos dos quais integram o grupo conhecido como G100 — cidades populosas e pobres, métrica criada pela Frente de Prefeitos — que representam 67% da população.

De acordo com o Ipea, essas cidades teriam um aumento significativo em suas receitas.

O estudo do Ipea mostrou ainda que a desigualdade entre os municípios será reduzida pela redistribuição da arrecadação dos impostos de ISS e ICMS. A economista Priscila Kaiser, que ajudou a realizar a pesquisa, afirma que a nova formatação tributária vai ajudar municípios a ampliarem a arrecadação.

“A unificação da base tributária entre bens e serviços, além da aplicação do princípio do destino, proporcionará uma redução substancial da desigualdade de receitas municipais”, complementou a economista.

Por outro lado, especialistas apontam que a reforma tributária pode levar a redistribuição dos poderes. Eles defendem que a regulamentação não diminua a autonomia dos municípios em relação à arrecadação.

Com as novas regras de tributação, aproximadamente R$ 50 bilhões, ou 21% das receitas municipais, seriam redistribuídos entre os municípios. O objetivo dessa medida é tentar equilibrar as disparidades arrecadatórias dos municípios.

Segundo o advogado tributarista e mestre em finanças e administração, Leonardo Roesler, assegurar uma distribuição igualitária dos recursos é essencial para manter a estabilidade fiscal desses municípios.

“Um ponto de atenção na reforma é a garantia de que os municípios mais pobres ou com menor capacidade de arrecadação não sejam desproporcionalmente afetados”, afirmou Roesler.

Entenda o que muda com a Reforma Tributária

Atualmente o sistema tributário brasileiro é considerado muito complexo, formado por um emaranhado de impostos federais, estaduais e municipais. PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS são exemplos de impostos cobrados no Brasil. A reforma tributária busca unir todos esses impostos e simplificar a tributação do Brasil.

Em linhas gerais, o texto da reforma tributária prevê que todos os produtos e serviços vendidos no país terão um imposto federal unificado por meio de um “IVA dual”. Atualmente, o Brasil tem cinco tributos federais: IPI, PIS e Cofins; o estadual ICMS, e o municipal ISS.

A ideia é que o novo imposto una IPI, PIS e Cofins em uma tributação federal, e outra estadual e municipal, que unificaria ICMS e ISS.

Pela proposta, haverá um período de transição para que a unificação de impostos ocorra. A ideia é que o prazo dure sete anos, entre 2026 e 2032.

A partir de 2033, os tributos atuais serão extintos e passará a valer a unificação. Além disso, o texto prevê que, em 2026, haja uma alíquota de 0,9% para a CBS (IVA federal) e de 0,1% para IBS (IVA compartilhado entre estados e municípios).

Em 2027, os tributos PIS e Cofins deixam de existir e a CBS será totalmente implementada. A alíquota para IBS permanecerá em 0,1%.

Entre 2029 e 2032, as alíquotas do ICMS e do ISS serão reduzidas, enquanto o IBS terá uma elevação gradual. Por fim, em 2033, o novo modelo tributário passa a vigorar de forma integral e o ICMS e o ISS são extintos.

A estimativa é de que a alíquota final da CBS e IBS seja em torno de 27,5%. A CBS e o IBS serão tributos do tipo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que tem a intenção de acabar com o “efeito cascata”, capaz de levar um mesmo imposto a ser pago várias vezes durante o processo de produção ou de comercialização do mesmo bem.

ICMS será o mais afetado

A mudança que mais impactará os municípios na reforma tributária será a alteração da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que atualmente é o principal tributo estadual partilhado com os municípios.

O ICMS é pago na circulação de qualquer mercadoria, sendo de maior impacto em bebidas, cigarro, combustível e serviços de telecomunicações.

É por meio da partilha do ICMS que alguns municípios bancam os serviços públicos essenciais como saúde, segurança, educação e infraestrutura.

Segundo especialistas, os municípios que dependem da mineração podem sofrer perdas substanciais em suas receitas devido às alterações de distribuição do imposto propostas.

De acordo com o presidente da Associação Municípios Mineradores de Minas Gerais (Amig) e prefeito da cidade de Conceição do Mato Dentro, José de Oliveira, a reforma prejudica os municípios que produzem em grandes quantidades no setor da mineração, mas com número baixo de população.

“Essa reforma tributária desincentiva as cidades que hoje buscam empresas para ficarem nos seus municípios para aumentar a repartição do ICMS, afinal, com a população sendo pequena não adianta ter na sua cidade uma empresa de grande porte, pois você não vai receber um ICMS maior por isso”, afirma Oliveira.

Reforma está na fase de regulamentação

Recentemente o Ministério da Fazenda criou grupos técnicos para discutir a regulamentação da Reforma Tributária. As discussões servirão de oportunidade para que representantes das Prefeituras apresentem soluções que fiquem boas aos municípios.

“Florianópolis conquistou a indicação de um Auditor Fiscal da Secretaria da Fazenda como representante do Grupo Técnico 16 que tratará da regulamentação da distribuição dos recursos do IBS, inclusive no período de transição”,  explica o prefeito de Florianópolis, Topázio Neto.

“Outros auditores fiscais e procuradores do município estão sendo indicados pela Fazenda para o comitê de assessoramento que a FNP está criando para cada um dos grupos. Mas a questão de ter cota-parte do estado aos municípios relativos ao IBS, um imposto compartilhado entre os entes, é que não vemos sentido”.

Via CNN