Base do PIB da cidade por muitos anos, as grandes fábricas hoje dividem espaço com outros setores

Em 1971, quando o Santa entrou em circulação, a economia de Blumenau vivia uma fase de prosperidade. 

Na pujante indústria têxtil, a palavra de ordem era exportação. Já consolidadas no Brasil, empresas como Artex, Cia. Hering, Karsten, Cremer e Teka começavam a conquistar novos mercados na Europa, nos Estados Unidos, na África e em alguns países da América do Sul, projetando o nome da cidade internacionalmente. 

As vendas crescentes para o exterior demandavam aumento da produção. Para dar conta dos pedidos, muitas companhias passaram a adotar o terceiro turno.

Meio século depois, as transformações desse segmento, acompanhadas de perto pelo jornal, são visíveis. 

Com raras exceções, expoentes da indústria têxtil de Blumenau daquela época que não sucumbiram a crises – caso da Sulfabril, que fechou as portas, e da Teka, que até hoje luta para se manter de pé em meio a um processo de recuperação judicial que já dura quase 10 anos – tiveram dois destinos: ou abriram capital ou foram incorporadas por grandes conglomerados, com as decisões sobre seus futuros sendo tomadas bem longe daqui. 

Um dos exemplos mais recentes é o da Cia. Hering, comprada pelo Grupo Soma em transação de pouco mais de R$ 5 bilhões.

Apesar das mudanças de rumo e da “peneira” provocada pela abertura de mercado na década de 1990, quando a concorrência de produtos importados deixou muitas empresas locais em maus lençóis, o segmento ainda ostenta o posto de carro-chefe da indústria blumenauense, ao menos em volume. Das cerca de 6,5 mil fábricas ativas da cidade, quase 4 mil são de produtos têxteis ou de confecção e artigos do vestuário, que juntas geram 23,7 mil empregos. Por outro lado, o setor de serviços ganhou corpo nas últimas décadas, dando nova dinâmica à economia.

A mudança nessa balança se comprova nos números. Pouco a pouco, a indústria vem perdendo participação na composição do produto interno bruto (PIB) de Blumenau ao longo dos anos, o que revela uma gradual mudança na matriz econômica. Em 2002, por exemplo, o segmento representava 31% do total de riquezas produzidas na cidade. 

Em 2018, dado mais recente calculado pelo IBGE, esse índice havia recuado em torno de cinco pontos percentuais, para 24,8%. Em contrapartida, o setor de serviços, nesse período, avançou de 44,1% para 49,5%, com destaque para áreas como tecnologia, saúde e turismo.

– Essa diversificação econômica é vista com bons olhos. Mas a indústria continua e continuará sendo muito importante para Blumenau, mesmo que ela vá se alterando – avalia Sylvio Zimmermann, secretário municipal de Desenvolvimento Econômico.

Evolução natural

Empresários e especialistas veem essa transformação como natural, fruto do desenvolvimento econômico e social e do surgimento de novas vocações – caso do setor cervejeiro, alavancado na cidade a partir de 2005 com a entrada de produtores artesanais na Oktoberfest e com a consolidação de eventos como o Festival e o Concurso Brasileiro de Cervejas.

Em relação à indústria têxtil, as crises nas décadas de 1980 e 1990 provocaram uma desverticalização do parque fabril, lembra Ralf Marcos Ehmke, professor do departamento de economia da Furb:

– As empresas viram que, principalmente em função de custos e abertura de importações que ocorreu no início dos anos 90, tinham de competir com outros produtos que vieram da China inicialmente. Elas fizeram uma reestruturação, descentralizando as atividades.

Em muitos casos, acrescenta Ulrich Kuhn, que por mais de 30 anos presidiu o Sindicato das Indústrias de Fiação, Tecelagem e do Vestuário de Blumenau e Região (Sintex), áreas de mão de obra intensiva, como a costura, migraram para outras cidades e até regiões do país em busca de redução de custos com pessoal e vantagens logísticas. Kuhn também é do time dos que avaliam que essa transformação é natural.

Quem sobreviveu à concorrência externa compreendeu que, para fazer frente aos asiáticos, deveria mudar a estratégia do negócio. O foco deixou de ser a produção e a aposta se voltou à criação de peças com maior valor agregado.

Fundada em 1986, a Tex Cotton representa uma nova geração de indústrias do ramo que atua com essa visão. Depois de acumular experiência em private label (fabricação para terceiros), a empresa resolveu trabalhar com marcas próprias. 

Hoje colhe os resultados: por importar pouco, saiu na frente quando a variação do câmbio encareceu a compra de produtos manufaturados da China. Os negócios vão bem e a companhia, em expansão, trabalha na restauração do antigo complexo da Sulfabril, comprado em um leilão.

– Hoje contamos com aproximadamente 1,5 mil colaboradores diretos e indiretos, mas este número deverá aumentar nos próximos meses – promete o presidente Sérgio Ferrari.

Em busca de novos espaços para crescer

Além da transição gradual para uma economia mais centrada no setor de serviços, deficiências logísticas têm jogado contra a indústria de Blumenau ao longo dos últimos anos. Há o gargalo histórico da BR-470, que representa fuga de investimentos fabris a outras regiões com estradas duplicadas, puxando o freio de mão do crescimento local.

Um levantamento recente da Fecomércio-SC apontou que cidades no entorno da BR-101 tiveram um crescimento médio (9,38%) maior no PIB per capita entre 2011 e 2018 do que municípios situados às margens da BR-470 (6,01%). A expectativa agora é que os R$ 300 milhões a serem aportados pelo governo do Estado na rodovia que cruza o Vale resolvam ao menos parte do problema.

No caso de Blumenau, cortada por cursos d’água e cercada por morros, há ainda um desafio extra para a expansão da indústria, observa Renato Medeiros, presidente da Associação Empresarial (Acib).

– Não temos área física onde construir para trazer mais empresas. A nossa geografia não ajuda muito – avalia o dirigente.

Para abrir espaço para o crescimento, a Secretaria de Planejamento Urbano de Blumenau estuda mudanças no zoneamento da cidade, demanda que já foi levantada pelo Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e do Material Elétrico (Simmmeb), que representa outro segmento forte da economia blumenauense.

Segundo o secretário Éder Boron, a ideia é criar novos corredores de serviços e fazer adequações aos que já existem, permitindo a instalação de empreendimentos de maior porte. As regiões avaliadas incluem Itoupava Central, Vila Itoupava, Fidélis, Tatutibas e Vorstadt.

O embrião do polo de tecnologia

O polo de tecnologia blumenauense que hoje abriga centros de inovação de multinacionais como T-Systems, Ambev e Philips, entre tantas outras empresas nativas que conquistaram o Brasil, nasceu das mãos da indústria. Foi em 1969, quando grandes companhias da região, em sociedade, criaram o Centro Eletrônico da Indústria Têxtil (Cetil).

A primeira empresa de informática genuinamente catarinense surgiu para prestar serviços de processamento de dados de seus associados, entre eles nomes de peso que até hoje mantêm operações na cidade, como Cia. Hering, Karsten, Cremer, Haco e Teka. O Cetil cresceu e expandiu-se inclusive para a América Latina, mas começou a perder força em meados da década de 1980 no momento em que computadores começaram a ficar mais acessíveis e as empresas passaram a montar seus próprios departamentos de tecnologia.

Muitas empresas de Blumenau que desenvolvem softwares de gestão empresarial “nasceram” do Cetil: foram fundadas por profissionais que aprenderam a programar dentro da companhia e vislumbraram a oportunidade de empreender, abrindo o próprio negócio.

– Como o Cetil atuava nacionalmente, essas empresas novas já pensavam em sistemas que pudessem atender todo o Brasil – destaca Carlos José Pereira, que construiu carreira no Cetil e hoje administra a Fácil, desenvolvedora de um software de gestão jurídica já presente em 61 países.

Se no início as soluções oferecidas por essas novas companhias atendiam rotinas administrativas comuns a vários tipos de negócios, como contabilidade e folha de pagamento, com o passar dos anos o portfólio foi se diversificando. Hoje, muitas delas se dedicam a atender dores justamente da indústria. É o caso da Datafrete, que criou um sistema para gestão de fretes.

O diretor comercial Luis Carlos Pivesso trabalhou no setor de logística de uma metalúrgica e identificou a necessidade de automatizar processos internos que até então eram feitos manualmente. O sistema elaborado pela empresa monitora toda a operação logística que envolve o embarque e a entrega de mercadorias, da emissão de documentos à escolha da melhor transportadora para o serviço.

– A indústria está se adaptando e buscando cada vez mais essas ferramentas de tecnologia – considera Pivesso.

Novas demandas têm exigido reforço no quadro de pessoal das empresas de tecnologia, e o recrutamento de mão de obra especializada é um dos principais desafios do setor. Pesquisa recente feita pelo Blusoft, que representa o polo tecnológico local, estimou que até 2023 mais de 8 mil vagas em TI devem ser abertas na cidade para atender a demanda do mercado. Além do Programa Entra21, desenvolvido pela entidade e que capacita gratuitamente jovens de baixa renda, muitas empresas lançaram cursos próprios de formação para suprir essa carência.

Para ficar de olho

Lançado em 2016, o Plano Municipal de Desenvolvimento Econômico (Pedem) mapeou cinco eixos estratégicos para o desenvolvimento da cidade, com ações a serem desenvolvidas até 2030.

Pelo menos dois deles estão diretamente ligados à indústria – cadeia têxtil e de confecções e eletrometalmecânico, além de comércio, saúde e tecnologia.

Cinco anos depois, o documento está passando por uma revisão geral, segundo o secretário de Desenvolvimento Econômico, Sylvio Zimmermann. A ideia é fazer um diagnóstico de como estão cada um dos itens discutidos e entender o que foi feito e o que ainda precisa ser executado.

Via NSCTotal