Meirelles e Padilha alegam que não houve derrota em projeto sobre dívida dos estados

O governo teve ontem de dar explicações a pesos-pesados da economia nacional sobre os recuos que fez para conseguir aprovar na Câmara dos Deputados o texto-base do projeto de renegociação das dívidas dos estados com a União. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, foi cobrado pela flexibilidade do governo nas medidas do ajuste fiscal, uma vez que a proposta de que governadores não concedessem aumentos salariais ao funcionalismo durante dois anos foi retirada do texto por pressões de parlamentares e sindicalistas. Meirelles argumentou que a aprovação com um teto geral para os gastos dos estados garante a essência do ajuste. Ele sinalizou que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que limita as despesas da União deverá ser aprovada até o fim do ano.

Meirelles recebeu pela manhã o grupo de executivos denominado Instituto Talento Brasil (ITB), formado por Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco; Pedro Passos, da Natura; Pedro Moreira Salles, do Itaú Unibanco; Carlos Alberto Sicupira, da 3G Capital (Grupo Ambev/Inbev); Jorge Gerdau, da Gerdau; Josué Gomes da Silva, da Coteminas; Edson Bueno, da Amil; e o consultor Vicente Falconi. O grupo fez uma peregrinação por Brasília, e também se reuniu com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e com o presidente interino Michel Temer, depois da visita a Meirelles. No fim do dia, eles se disseram convencidos dos avanços do ajuste fiscal e assumiram o compromisso de apoiar a comunicação do governo.

— Fomos convidados a nos fazermos mais presentes no debate e esclarecer a população para que o governo não fique isolado e submetido a pressões — disse Antonio Machado, presidente do ITB.

 

PADILHA: ‘NÃO HOUVE RECUO. NÃO HOUVE DERROTA’

Segundo Vicente Falconi, além do teto, tratou-se na reunião na Fazenda das reformas previdenciária e fiscal. No caso dos impostos, as empresas não solicitaram redução, mas uma maior racionalização na cobrança. Sicupira teria destacado que lida com 29 mil variações de ICMS para os serviços e produtos que oferece. Já Moreira Salles teria dito que tem que tratar de uma nova norma a cada duas horas nas atividades do grupo Itaú Unibanco.

— As empresas gastam dezenas de milhões de reais por ano, não em impostos, mas para pagar impostos, por conta da complexidade do sistema — ressaltou Falconi, ao fim da reunião.

O governo defendeu publicamente ontem que foi vitorioso na votação do projeto de renegociação das dívidas de estados com a União, apesar da saída do dispositivo sobre reajustes. Meirelles e o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, vieram a público dizer que o sinal verde dos deputados representou um avanço no ajuste fiscal, pois ficou mantida no texto a fixação de um teto para os gastos estaduais, contrapartida inegociável para o governo.

Contudo, na véspera, o próprio Meirelles havia dito, em entrevista coletiva, que a suspensão dos reajustes era importante.

As idas e vindas na renegociação das dívidas estaduais pelo governo começaram a preocupar o setor empresarial e até o corpo técnico da área econômica. Segundo integrantes do governo, se o mercado começar a ver uma flexibilização excessiva na área fiscal, pode haver um recuo no otimismo e uma demora maior na recuperação da economia. Meirelles e Padilha apontaram ontem a deputados os indicadores positivos de confiança na economia entre empresas e consumidores, para tentar dissuadir essas impressões.

— Como fixamos o teto como a despesa do ano anterior, mais a inflação, foi uma grande vitória do ministro Meirelles, do governo e da base do governo. Não houve recuo. Não houve derrota de ninguém. Os estados têm um teto fixado e têm autonomia — disse Padilha.

Pela lei, se descumprirem o teto, os estados perdem as prerrogativas previstas na renegociação de dívidas, tendo de voltar a pagá-las nos termos originais, mais onerosos. Segundo o ministro da Fazenda, o governo não vai tentar alterar o texto no Senado, uma vez que a situação está “bem equacionada”.

Padilha disse que o governo conseguiu aprovar o que era “essencial” no texto. O ministro afirmou ainda que a contrapartida era um dispositivo “dispensável”, uma vez que o artigo 169 da Constituição Federal estabelece que nenhum governador pode criar despesas novas sem previsão orçamentária.

 

PRESSÃO DE ESTADOS NO NORTE E DO NORDESTE

O ministro-chefe da Casa Civil também comentou as críticas dos estados do Nordeste ao texto e à situação atual da região, com queda da receita do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do ICMS e uma grave seca deste ano. E indicou que o governo avaliará os pleitos da região.

— O governo foi sensível à reivindicação e está estudando como poderão ser atendidos os estados que, neste momento, estão precisando de um auxílio maior — afirmou Padilha.

Os governadores dos estados do Norte e Nordeste entenderam, após várias reuniões em Brasília na última terça-feira, que o governo sinalizou positivamente com uma ajuda extra. Os governos pediram, em vez da compensação dos valores integrais das perdas do FPE, orçadas em R$ 14 bilhões, uma ajuda em duas formas: metade do valor seria transformado em linhas de crédito e a outra metade seria dada diretamente como auxílio aos governos. A ideia dos estados da região é que essa ajuda priorize estados menos endividados.

O projeto sobre a dívida dos estados deve seguir para o Senado assim que o plenário terminar de votar os destaques. O governo tentou, por mais de oito horas, encerrar a votação no plenário na madrugada entre terça e quarta-feira, sem sucesso. Ontem, não houve quórum para votação.

 

Via O Globo