Com o fim das sobretaxas para carros importados, após cinco anos de existência da política, o Brasil voltou a comprar mais veículos fabricados no exterior. O desembarque de automóveis no país no primeiro semestre cresceu 55% em comparação ao mesmo período do ano passado e já passa, em valores, de US$ 2 bilhões neste ano. Dependendo do país da origem, o crescimento chega a 80 vezes em relação aos seis meses iniciais de 2017 e é registrado enquanto as fábricas nacionais ainda operam com ociosidade.

Os dados foram reunidos pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic) a pedido do Valor. O crescimento é registrado tanto em dólares quanto em unidades. O volume importado pelo país de janeiro a junho subiu 41% frente a igual período do ano passado, para 115.092 veículos.

O crescimento no primeiro semestre deste ano é o primeiro registrado após cinco anos da política de sobretaxas importados e é superior ao ritmo de importação geral do país (que tem elevação de 17%, em valores, no primeiro semestre).

A França — sede de marcas como Renault, Peugeot e Citroën — é o país q mais se beneficiou do aumento das compras brasileiras em termos percentuais. Houve aumento de 8.353% no desembarque de carros franceses no Brasil, para 3.297 veículos, no primeiro semestre em comparação ao mesmo período do ano passado. Em seguida, está a Suécia (sede da Volvo Cars), com 760% de avanço — para 1.746 unidades. Em terceiro lugar, o Uruguai — com 432% de avanço, para 1.023 unidades.

Antonio Megale, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), afirma o fim do Inovar-Auto é o grande responsável pelo aumento dos números de importação. O programa aplicava um alíquota adicional de 30 pontos percentuais do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) relativo à importa de carros a partir de determinada cota, que era zerada se a empresa tivesse fábrica no Brasil ou apresentasse um plano de investimentos em território nacional.

Durante todo o período da política (2013 a 2017), houve queda nos números de importação de carros. Mas o programa acabou condenado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) por protecionismo.

Agora, o aumento na importação ocorre mesmo em um momento em que a ociosidade da indústria automotiva nacional está em aproximadamente 40%, segundo Megale. “Hoje há uma capacidade instalada grande no Brasil” diz. Segundo ele, mesmo que ao menos nove fábricas tenham sido instaladas no país durante o regime de proteção à indústria nacional, em muitos casos elas não são preparadas para produzir todos os veículos de uma marca.

Por isso, diz, as montadoras estariam optando por trazer de fora modelos “complementares” ao mercado brasilei “A fábrica consegue produzir alguns modelos aqui, não dá pra produzir todos. Então elas complementam sua linnhas com mais produtos”, diz.

A busca por importados ocorre em meio ao que os fabricantes chamam de “reaquecimento” do mercado de veícu principalmente os mais caros. Em geral, os carros de fora são justamente os mais valiosos — movimento alimentado pelo crescimento na preferência nacional por carros da categoria Sport Utility Vehicle (SUV), por exemplo. É o caso da Kia Motors, que está entre as marcas mais importadas e que compra principalmente esses modelos, cujos pre ao consumidores são superiores a R$ 100 mil.

Leandro Teixeira, diretor de marketing da Volvo no Brasil, afirma que a recuperação da demanda está puxando o números para cima. “Acreditamos que o crescimento dos importados é a convergência de um consumidor voltando à disposição da compra enquanto são ofertados produtos melhores e mais interessantes”, afirma.

Ele diz ainda que o fim do Inovar-Auto não influenciou os números no caso da empresa porque ela não chegava importar mais que a cota estabelecida pela lei.

A tese de reaquecimento da demanda é reforçada pelo aumento da importação, neste ano, de carros fabricados e países que já não eram afetados pelo Inovar-Auto devido a acordos comerciais. É o caso de Argentina e México, ainda os principais vendedores para o mercado brasileiro. Eles registram crescimento de 46% (para 47.960 unid desembarcadas no Brasil no primeiro semestre) e 41% (29.156), respectivamente.

De qualquer forma, o aumento na importação já eleva a fatia dos importados no mercado brasileiro, fenômeno q foi usado como justificativa para o lançamento do Inovar-Auto pelo governo de Dilma Rousseff na época. De acordo com a Anfavea, 23% dos carros vendidos no Brasil eram importados em 2011 antes do Inovar-Auto e, no ano passado, o patamar havia recuado para 10%. A previsão da Anfavea é que retorne, ao fim deste ano, a 15%.

Mesmo assim, a entidade diz que os números estão dentro da “normalidade” esperada pela indústria. “Embora t aumentado, não é preocupante. Está dentro da normalidade considerando que as marcas precisam complementa sua produção”, afirma.

Já José Luiz Gandini, presidente da Associação Brasileira das Empresas Importadoras e Fabricantes de Veículos Automotores (Abeifa), afirma que o patamar de importações ainda está abaixo das expectativas devido à desvalorização do real frente ao dólar — o que encarece a compra de produtos estrangeiros por quem tem renda moeda brasileira.

Ele espera que as importações de automóveis cheguem ao fim do ano com um crescimento de 37%. “Os veículos importados sempre foram um balizador do mercado. Aliás, de qualquer mercado internacional, porque são uma referência de tecnologia, de design e, principalmente, de preços”, diz. Pedro Cavalcanti Ferreira, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (EPGE-FGV), diz que o aumento nas importações é um indicativo de que o mercado brasileiro está se reaquecendo para determinados tipos de veículos, mas ainda não o suficiente para elevar a fabricação nas linhas de produção nacional – por isso, haveria mais importação. Para ele, o Inovar-Auto gerou um excesso de capacidade sem melhorar a competitividade das fábricas nacionais. “Demos R$ 7 bilhões para a indústria e nada aconteceu nesses anos todos diz.

Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda do governo Dilma, defendeu em artigo publicado neste ano que o Inova Auto foi responsável por gerar empregos e investimentos. Além disso, defendeu que houve um aumento nas exportações de veículos pelo Brasil como “um primeiro indicador de modernização e aumento da competitividade dos produtores brasileiros” — mas reconheceu que ainda era cedo para avaliar o programa. Os dados mais recentes mostram que a exportação de veículos brasileiros, na verdade, está caindo 6,9% neste primeiro semestre.

Relatório patrocinado pelo Banco Mundial fez uma ampla análise no ano passado a respeito do Inovar-Auto e aponta que o programa produziu resultados mistos. Por um lado, diz o documento, o programa reduziu as importações, aumentou a concorrência entre as fábricas nacionais e atraiu investimentos. Por outro, não trouxe instrumentos aumentar as exportações e aumentar a participação nacional na cadeia global, deixando a produção brasileira m dependente da demanda doméstica. Também não conseguiu impulsionar investimentos em pesquisa e desenvolvimento no setor automotivo e nem endereçou problemas estruturais para os altos custos e a baixa produtividade na indústria.

Atualmente, o Congresso Nacional discute a medida provisória do governo com mais benefícios ao setor automotivo — o Rota 2030. Com impacto fiscal acima de R$ 2 bilhões em 2019, segundo cálculos do Ministério da Fazenda, programa vai conceder às montadoras novos incentivos para pesquisa e desenvolvimento, desconto em IPI de ac com a eficiência energética do motor e isenção à importação de peças não produzidas no Brasil. Grande parte da emendas de parlamentares aumenta ainda mais os benefícios.

 

Via Valor Econômico