Na PEC 110 um modelo inovador de administração compartilhada do IBS é proposto: um Conselho Federativo

A Reforma Tributária das PECs 45 e 110/19 propõe uma competência compartilhada de tributos. A PEC 45 propõe um único IBS em substituição a todos os atuais tributos sobre o consumo, cuja competência seria compartilhada por todos os entes. Já a PEC 110 propõe um modelo de IVA dual com o IBS sendo compartilhado somente entre Estados e Municípios e a CBS sob a competência da União, mas com regras constitucionais idênticas ao IBS.

Tanto no modelo de IBS único da PEC 45 quanto no IVA Dual da PEC 110, será preciso definir como será feita a administração, arrecadação e distribuição dos recursos do IBS. O último relatório da PEC 45 apresentado pela Comissão Mista de Reforma Tributária[1] em 12 de maio de 2021 não previu uma administração compartilhada do IBS, dispondo apenas que a Lei Complementar disporá sobre “atuação integrada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na fiscalização, no lançamento e na cobrança do imposto”.

Com base em um modelo criado pelo CCiF[2], o último substitutivo[3] à PEC 110/19 apresentado em 16 de março de 2022 no Senado inclui a previsão de que os entes exercerão, de forma integrada e exclusivamente por meio do Conselho Federativo do IBS, as competências administrativas de editar normas infralegais e uniformizar a interpretação da legislação do imposto, bem como as funções de arrecadação e distribuição dos recursos entre os entes. Neste sentido, o último relatório da PEC 110/19 é muito mais avançado no que diz respeito à definição deste aspecto fundamental da reforma tributária: a administração compartilhada do IBS.

 Em operações realizadas estritamente dentro de um mesmo Estado, o IVA pode ser recolhido e administrado pelo próprio Estado. Os desafios, portanto, se referem às operações interestaduais. Qual Estado ficará responsável pelo recolhimento do tributo? Qual Estado vai fiscalizar? Como assegurar que os créditos incorridos em operações dentro de um Estado serão garantidos por outros Estados? Como garantir a não-cumulatividade e devolução dos créditos acumulados?

Um outro problema que um modelo de administração deve resolver diz respeito à distribuição da arrecadação de IVA baseado no destino entre os entes subnacionais: a arrecadação será centralizada no Governo Federal ou em um conselho federativo? A arrecadação será feita pelo Estado de origem que repassará o dinheiro para o Estado de destino ou diretamente pelo Estado de destino? Como o Estado de destino vai fiscalizar uma empresa fora do seu território?

Por fim, em um modelo em que a competência para instituição e regulação do IBS será compartilhada entre os entes por meio de Lei Complementar, é preciso também que a edição de normas infralegais e a uniformização da interpretação e aplicação da lei seja feita de modo compartilhado e por meio de uma única entidade administrativa, tal como se propõe por meio do Conselho Federativo do IBS.

Modelos de administração de IVA em países federativos

 Na maior parte das Federações, a competência para instituição e a administração do IVA é centralizada no governo federal, que faz a distribuição integral ou parcial dos recursos aos entes subnacionais (por exemplo, na Austrália, 100% da arrecadação do IVA é repassada aos Estados). O maior desafio, portanto, se encontra em países federativos que compartilham a competência de tributos sobre o consumo com entes subnacionais, como é o caso do Canadá e da Índia. Em certa medida, este também é o desafio da União Europeia, já que o IVA Europeu tem as principais regras harmonizadas no nível comunitário, mas a administração e regulamentação do imposto é de competência de cada país.

O Canadá adotou um modelo harmonizado (HST – Harmonized Sales Tax) no qual certas províncias aderiram ao IVA federal e, assim, é o governo federal que administra e recolhe de forma centralizada tanto a alíquota federal quanto a alíquota provincial do imposto (com base no destino). O governo federal arrecada o HST sobre todas as operações (tanto as realizadas dentro da província quanto as interprovinciais) e distribui os recursos não com base no destino da operação, mas por fórmulas fixas acordadas com cada província. A grande desvantagem deste modelo é a grande preponderância e centralização do governo federal e a perda de autonomia das províncias, que não participam da administração e regulamentação do IVA. Além disso, distribuição da arrecadação depende de negociação e acordo periódicos com governo federal.

Já a Índia optou por um tratamento diferenciado entre as operações dentro do Estado e as operações interestaduais, inspirado no modelo do “barquinho” criado pelo brasileiro Ricardo Varsano[4]. Neste sistema, nas operações dentro do Estado se aplica um IVA Estadual (SGST) e outro Federal (CGST); enquanto nas operações interestaduais, se aplica um IVA especial (IGST), administrado pelo governo federal. O imposto federal interestadual é aplicado por uma alíquota fixa com base no bem ou serviço, e não com base no destino.

Por conta deste sistema, cada Estado tem uma legislação própria do SGST e o governo federal tem duas legislações distintas para cada um dos seus impostos (CGST e IGST). Há um conselho do GST com a participação do governo federal e de todos os Estados, mas a competência é somente para harmonização da base, alíquotas e legislações (cada Estado deve seguir as mesmas alíquotas conforme bem/serviço). A arrecadação e administração do imposto estadual é feita por cada Estado, mas é o governo federal que arrecada o imposto interestadual e distribui os recursos aos Estados com base em acordos no Conselho do GST. A desvantagem do modelo indiano é que a alíquota interestadual não é aplicada com base no destino e os Estados não têm autonomia para aplicar alíquotas diferenciadas. Além disso, há uma grande preponderância e centralização do governo federal, já que os Estados não participam da arrecadação e administração do IVA interestadual, além de a distribuição dos recursos aos Estados ficar na pendência de negociações entre Estados e União no Conselho do GST.

Vantagens de um modelo de arrecadação e administração centralizada do IBS através do Conselho Federativo do IBS

Na reforma tributária da PEC 110 se propõe um modelo inovador de administração compartilhada do IBS: um Conselho Federativo através do qual o imposto seria arrecadado, administrado e regulamentado de forma compartilhada entre Estados e Municípios, com ampla participação de todos os entes. Esse modelo é totalmente adaptável à PEC 45, hipótese em que a União também participaria do Conselho.

Ao contrário das experiências internacionais acima descritas, neste modelo não haverá centralização da administração e regulamentação do tributo no governo federal. O sistema não só garante, como dá uma maior autonomia federativa e participação dos entes na administração do IBS: todos os entes participam de forma paritária da administração e regulamentação do tributo por meio do Conselho.

Além disso, uma legislação e regulamentação única possibilitará uma total harmonização da interpretação e das regras infralegais do IBS, tanto para a aplicação pelo fisco quanto pelos contribuintes, além de inegavelmente reduzir o contencioso tributário. Cada ente também manterá sua total autonomia para fixar a alíquota aplicável a operações/prestações destinadas ao seu território. Cabe ainda lembrar que as respectivas administrações tributárias de cada ente não deixarão de existir, muito menos seu corpo técnico-administrativo, que vão passar a atuar de forma integrada na aplicação e fiscalização do IBS.

A autonomia financeira dos entes também será garantida, já que o Conselho Federativo será uma entidade totalmente independente de qualquer governo. Isto significa que o repasse dos recursos aos Estados não ficará sujeito ao governo federal ou ao Estado de origem. Além disso, significa uma maior garantia de creditamento amplo e irrestrito e de devolução de créditos acumulados aos contribuintes, já que os recursos de operações entre contribuintes não serão repassados aos entes, mas utilizados para garantir o direito ao crédito amplo e irrestrito do imposto. Os recursos do IBS só serão repassados aos entes de destino quando a operação for a consumidor final, em que não há mais direito de crédito.

Ao contrário de argumentos adversos que têm sido trazidos ao debate público, a administração compartilhada do IBS por meio do Conselho Federativo não fere a autonomia dos entes. Pelo contrário, garantirá uma maior autonomia administrativa e financeira aos entes para, de forma compartilhada, arrecadar, administrar e regulamentar o IBS. Para os contribuintes, uma administração e regulação única, além de uma maior garantia do creditamento pleno e devolução dos créditos acumulados, são ganhos inegáveis em prol de uma maior simplificação e mais segurança jurídica em relação ao sistema atualmente vigente no Brasil.

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[1] https://legis.senado.leg.br/comissoes/arquivos?ap=6335&codcol=2334

[2] O modelo adotado pela PEC 110 foi criado pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). Um detalhamento do funcionamento da administração compartilhada por meio de uma Agência Tributária Nacional encontra-se nesta nota técnica: https://ccif.com.br/wp-content/uploads/2020/07/NT_ATN_Corporation_V3.pdf

[3] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9090455&ts=1654087982620&disposition=inline

[4] https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/1729/1/td_0382.pdf

 

Via Jota