No Brasil, o ganho médio do 1% mais rico equivale a 36 vezes o que ganha a metade mais pobre da população; a renda no Sudeste é 80% maior que a do Nordeste; milhares de crianças ainda são obrigadas a trabalhar. Os dados, divulgados ontem pelo IBGE, não deixam dúvida: a desigualdade segue uma batalha a ser vencida no país. E, para especialistas no tema, a partir da análise de uma série de indicadores, ela provavelmente se aprofundou no ano passado.

O índice de Gini, medida da desigualdade de renda, foi de 0,549 no Brasil em 2016 – o indicador varia de zero a um, sendo zero a distribuição perfeitamente igualitária. Da forma como passou a ser agora calculado, o indicador do IBGE não permite comparações com o passado. Considerando os dados mais recentes da Organização das Nações Unidas (ONU), o resultado manteria o Brasil como um dos países mais desiguais do mundo, posicionado entre o Lesoto (0,542) e a Zâmbia (0,556).

Diretor do FGV Social, Marcelo Neri avaliou que a desigualdade “aumentou bastante” em 2016. Para chegar a essa conclusão, ele baseou-se em outro índice de Gini, o que mede a desigualdade apenas da renda do trabalho (que representa 74,8% da renda dos brasileiros). Pelos cálculos da FGV Social, esse índice cresceu 1,2% em 2016 e 1,58% em 2017. Dois anos de alta da desigualdade não era visto no país desde 1989, segundo Neri.

“Todos ficaram mais pobres no ano passado, mas os menos educados ficaram mais ainda, sobretudo no Nordeste e nas periferias. Com a inflação mais alta, desemprego em alta e economia em recessão, o bem-estar do trabalho dos brasileiros recuou 6,8% no ano passado, na comparação ao ano anterior. Isso ajuda a sintetizar bastante o que aconteceu naquele ano”, acrescentou o diretor da FGV Social.

Do início de 2015 ao início de 2017, a taxa de desemprego das pessoas com menos anos de estudo (com fundamental completo e ensino médio incompleto) cresceu de 9,8% para 18,2%. No mesmo período, a taxa de desemprego das pessoas com ensino superior completo passou de 4,1% para 6,6%, de acordo com dados do Bradesco. Isso sinaliza que o topo da renda no país foi mais resiliente em 2016.

Ana Maria Bonomi Barufi, economista do Bradesco, calculou que o índice de Gini domiciliar per capita era de 0,510 em 2015, a partir da antiga Pnad anual. Esse seria o dado mais próximo possível, em termos metodológicos, do divulgado ontem pelo IBGE para 2016 (0,549). A economista ressalva que, mesmo assim, os dois índices têm diferenças, como o tipo de renda do trabalho (efetiva e habitual).

“Não são números exatamente comparáveis, mas não acredito que a metodologia da pesquisa poderia explicar uma diferença dessa magnitude. E temos uma série de outros elementos que mostram o aumento dessa desigualdade, como o maior desemprego na parcela menos escolarizada da população. Existem sinais que a desigualdade aumentou”, disse a economista.

O IBGE também divulgou indicadores de desigualdade considerando faixas de renda da população, incluindo o rendimento do trabalho e de outras fontes (como aposentadoria e pensão, aluguéis, Bolsa Família). Neste caso, o grupo 10% mais rico concentrava 43,4% da massa de renda, ou R$ 110,7 bilhões. Já o grupo dos 40% mais pobres ficava com apenas 10,01% da massa total, ou R$ 25,5 bilhões.

Pela antiga Pnad, o grupo dos 10% mais ricos concentrava 40,5% do rendimento em 2015. Os 40% mais pobres, por sua vez, detinham 13,6% da renda naquele ano. Isso indicaria aumento da concentração de renda na parcela mais rica da população um ano para o outro, mas os números também não seriam perfeitamente comparáveis.

Segundo o instituto, uma mudança no questionário da Pnad Contínua impediu a divulgação da desigualdade de 2012 a 2015. No quarto trimestre de 2016 foram alteradas perguntas referentes ao rendimento efetivamente recebido (um dos componentes do índice de Gini). A mudança aprimorou a captura dessa renda, que estaria subestimada, e provocou a necessidade de nova cálculo da série histórica.

“Estudos mostravam que estávamos subcaptando essa renda. A pergunta era fria, sobre quanto o entrevistado efetivamente recebeu. Ela foi desdobrada para termos detalhes: décimo-terceiro salário, se teve desconto, se recebeu férias. Isso está sendo tratado como estudo de caso na Organização Internacional do Trabalho [OIT]”, disse Cimar Azeredo, coordenador de Rendimento e Trabalho do IBGE.

Segundo Azeredo, o instituto está atualmente estudando um modelo que permita “retropolar” (voltar no tempo) os dados do rendimento efetivamente recebido pelos trabalhadores brasileiros no período de 2012 a 2015. Dessa forma, o IBGE pretende divulgar no primeiro semestre do ano que vem as estatísticas de desigualdade a partir de 2012, incluindo antecipadamente o dado de 2017.

Outros indicadores divulgados ontem pelo IBGE mostram o tamanho da disparidade da renda no país. O grupo 1% mais rico da população brasileira tinha um rendimento médio (de todos os trabalhos) de R$ 27.085 mensais em 2016, 36,3 vezes acima da que recebia a metade mais pobre da população naquele ano (R$ 747). Esse grupo mais rico era integrado por 889 mil pessoas, ao passo que a metade com menor rendimento era formada por 44,4 milhões de brasileiros.

Na região Nordeste, essa indicador da desigualdade da renda nacional da renda era ainda maior: 39,8 vezes. Na região Sul, era a menor, de 24,6 vezes. No Sudeste, a proporção era de 36,3, exatamente a mesma apurada para a média nacional.

Segundo os especialistas, a boa notícia é que a desigualdade pode ter estabilizado ou mesmo começado mais recentemente. Pelas contas de Neri, a desigualdade da renda do trabalho recuou no segundo e no terceiro trimestres deste ano. “Já dobramos o cabo da Boa Esperança. A renda média está crescendo agora. Existe um deslocamento positivo nos últimos 12 meses”, disse Neri, ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos.

Economista do Bradesco, Ana Maria tem uma conclusão semelhante: “Com a melhora do mercado de trabalho que temos visto nos últimos trimestres, a expectativa é que tenhamos condições de retomar a redução da desigualdade. Mas é preciso acompanhar uma série de fatores, como reajuste de salário mínimo e a situação da aposentadoria”, concluiu a economista do banco.

 

Via Valor Econômico