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Por  advogado tributarista, professor de Direito Tributário, ex-conselheiro do Tribunal Administrativo Tributário de Santa Catarina (TAT) e ex-auditor fiscal estadual.

Foi de grande repercussão jurídica a tese da exclusão do ICMS destacado no documento fiscal da base de cálculo do PIS e da Cofins, conhecida como a “tese do século”, que teve seu julgamento proferido no RE 574.706 (tema 69), com afetação de repercussão geral, com a fixação da seguinte tese: “O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins”.

O debate que antecedeu ao julgamento era intenso e se aprofundava nos seus aspectos técnicos durante o logo tempo em que o processo tramitava no Poder Judiciário, e ao final o STF chegou à conclusão que o ICMS destacado referente à operação com mercadorias ou à prestação de serviços tributados pelo imposto estadual, não integraria à base de cálculo dos mencionados tributos federais, por não integrar ao valor do faturamento.

A conclusão nos parece tão evidente que talvez não justificaria toda essa discussão morosa, envolvendo a alta corte judicial para dizer o óbvio. Ora, sem pretender adentrar em abordagem conceitual mais refinada, faturamento é uma grandeza econômica resultante da venda de produtos e serviços.

O ICMS, ou outros tributos da mesma forma de incidência, como o ISS, por exemplo, são arrecadados e vão compor, inicialmente o faturamento, mas que serão entregues ao Fisco. Logo, a sua inclusão no faturamento é indevida, visto que não representa nenhuma receita do contribuinte; essa arrecadação tributária não terá repercussão na variação patrimonial do contribuinte, de modo que não pode integrar ao valor do faturamento.

A única discussão relevante que se travou nesse processo que realmente poderia suscitar dúvidas, era a definição sobre o montante do ICMS a ser excluído: se o ICMS pago ou destacado. Venceu a tese do ICMS destacado. Há dúvidas com relação a esse ponto, mas essa é a decisão vigente.

Ocorre que toda a análise da matéria, que resultou na solução fornecida pelo STF, teve como foco o regime normal de arrecadação do ICMS, assim entendido o modelo no qual o imposto é apurado e recolhido pelo contribuinte, através do sistema de compensação, no momento da ocorrência do fato gerador.

Não se cogitou no ICMS apurado no regime de substituição tributária (ICMS-ST), no qual o imposto é apurado, retido e recolhido pelo substituto tributário, não havendo mais ICMS a ser destacado nas operações subsequentes promovidas pelo contribuinte substituído [1].

Eis a questão. Na decisão enfocada o STF não analisou, de forma extensiva, o ICMS-ST no tocante à sua exclusão da base de cálculo dos mencionados tributos federais.

Remanesceu então a dúvida sobre a possibilidade de exclusão do ICMS-ST da base de cálculo do PIS e da Cofins, o que originou nova demanda judicial ao STF para essa discussão, através do RE 1.258.842, mas a corte constitucional negou seguimento ao recurso, não reconhecendo repercussão geral na demanda, alegando ser matéria infraconstitucional, firmando, portanto, competência para o STJ, para a sua análise, deixando registrada a seguinte tese:

“É infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a controvérsia relativa à inclusão do montante correspondente ao ICMS destacado nas notas fiscais ou recolhido antecipadamente pelo substituto em regime de substituição tributária progressiva na base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins.”

O STJ está avaliando essa matéria por meio dos REsp 1.896.678 e 1.958.265, rito repetitivo (tema nº 1.125), já tendo sido proferido o voto do ministro Gurgel de Faria favorável ao contribuinte, que não admite tratamento distinto entre o que denominou de “ICMS regular” e o apurado por substituição tributária, concluindo pela exclusão da base de cálculo do PIS e da Cofins também o ICMS-ST.

De fato, não há nenhuma razão para não estender os efeitos do julgado no RE 574.706 também para o ICMS-ST.

Para tanto, deve-se lembrar que o regime de substituição tributária não altera em nada a materialidade de incidência do imposto estadual e nem no aspecto quantitativo, mantendo o mesmo custo tributário para o contribuinte. A essência deste regime de arrecadação está unicamente no deslocamento do local, do momento da apuração e recolhimento do imposto.

A apuração, retenção e recolhimento são de responsabilidade do substituto tributário [2], procedimentos estes que ocorrem de forma antecipada em relação à ocorrência do fato gerador a ser promovido pelo contribuinte substituído (fato gerador presumido). Por esse modelo de arrecadação as operações ou prestações promovidas pelo contribuinte substituído não serão mais tributadas (visto que o recolhimento já ocorrera antecipadamente), e, portanto, não haverá destaque do ICMS nas respectivas notas fiscais, o que poderia, numa análise superficial, conduzir para o entendimento de que não haveria ICMS destacado a ser excluído.

No entanto, este ICMS que seria destacado no regime normal de tributação existe também no ICMS-ST, e nada mais é do que o débito do ICMS apurado na operação ou prestação pelo contribuinte substituto. Este valor não é consignado no documento fiscal emitido pelo substituto tributário, mas representa apenas o débito da operação do contribuinte substituído que, após sofrer a compensação com o crédito, resulta no valor a ser recolhido, este sim, consignado no documento fiscal emitido pelo substituto tributário e cobrado do substituído na operação de venda.

Portanto, no ICMS-ST, a única diferença é que o contribuinte substituído não pode extrair o ICMS destacado em suas notas fiscais, já que não fará o destaque, mas tem como identificar este valor pela simples aplicação da alíquota vigente sobre a base de cálculo do ICMS-ST, valor este considerado pelo contribuinte substituto para a apuração do imposto na fonte. Ou seja, no ICMS-ST o valor que corresponde ao ICMS destacado no regime normal de arrecadação, não está expresso na nota fiscal, mas ele existe de forma real, pois representa o débito do tributo para o encontro de contas no sistema de compensação do contribuinte, integrando, de forma indevida, ao faturamento do contribuinte substituído, e que por isso deve ser excluído, com os mesmos fundamentos da exclusão no regime normal de arrecadação do ICMS, afinal, o regime de arrecadação (ICMS normal ou ICMS-ST) não altera o preço da mercadoria e nem o custo tributário do contribuinte substituído.

A não exclusão do ICMS-ST da base de cálculo dos mencionados tributos federais, causaria uma violação à isonomia, visto que o contribuinte do PIS e da Cofins que operasse com mercadorias regidas pelo regime de substituição tributária do ICMS, seria onerado com uma carga tributária maior que aquele que comercializasse mercadorias submetidas o regime normal de ICMS, com direito à exclusão deste imposto nos moldes já referidos.

Portanto, não resta menor dúvida da necessidade de exclusão do ICMS-ST da base de cálculo do PIS e da Cofins, com base nos mesmos fundamentos adotados na decisão referida com relação ao ICMS destacado, cabendo à administração tributária federal disciplinar os procedimentos operacionais para garantir o direito desta exclusão.

[1] O regime de substituição tributário foi concebido para o recolhimento monofásica na fonte, de modo que não haverá mis novas incidências nas operações ou prestações subsequentes, ressalvada a hipótese de haver nova operação interestadual, em que o contribuinte antes substituído, passa ser substituto com relação a nova operação interestadual, havendo novas incidências, matéria regulada pela legislação própria.

[2] A responsabilidade do substituto tributário não exclui a do substituído. Normalmente, as legislações estaduais instituem a relação de responsabilidade solidária entre o contribuinte substituto e substituído.

Via Conjur