Câmara Superior decide que os lucros auferidos por controladas no exterior não são tributáveis no Brasil

Recentemente a Câmara Superior do Carf (CSRF), enfrentou um dos mais controversos temas em matéria tributária e com relevante impacto para as multinacionais brasileiras: a tributação no Brasil dos resultados auferidos no exterior por empresas estrangeiras controladas por entidades brasileiras, na situação em que tais investidas estão situadas em jurisdição com a qual o país possui convenção para evitar a dupla tributação da renda.

Em verdade, trata-se de mais uma das controvérsias envolvendo a interpretação da legislação brasileira de tributação com bases universais das empresas brasileiras, controvérsia já presente quando da vigência do artigo 74 da MP nº 2.158-35/2001 e, infelizmente, ainda atual na vigência da Lei nº 12.973/2014.

Como regra, o artigo 7º das convenções assinadas pelo Brasil estabelece que os lucros de uma empresa de um “Estado Contratante só são tributáveis nesse Estado”. Isto é, o lucro auferido pela controlada no exterior só deve ser tributado na sua jurisdição de domicílio, exceto se verificada a ocorrência de estabelecimento permanente. Embora os resultados das controladas estrangeiras sejam, a princípio, tributáveis no Brasil segundo o regime de tributação em bases universais (TBU) previsto pela legislação brasileira, as disposições das convenções internacionais em matéria tributária devem ser observadas e afastam a legislação doméstica, conforme previsto pelo Código Tributário Nacional (CTN, artigo 98) e reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a exemplo do Recurso Especial nº 1.161.467/RS.

No entanto, o fisco federal argumenta que a tributação desses lucros no Brasil “não viola os tratados internacionais para evitar a dupla tributação”, pois o que se estaria tributando no país não seria propriamente o lucro da empresa estrangeira, mas apenas o seu reflexo contábil daquele resultado positivo no patrimônio da investidora brasileira, registrado via equivalência patrimonial (vide Solução de Consulta Interna Cosit nº 18/2013).

A esse respeito, em sessão realizada no dia 6 de outubro de 2021, a 1ª Turma da CSRF concluiu que os lucros auferidos por controladas estrangeiras não são tributáveis no Brasil, devendo prevalecer o quanto disposto no artigo 7º das convenções internacionais. Esse entendimento encontra-se registrado nos acórdãos 9101-005.809 e 9101-005.808 e envolveram a aplicação das convenções firmadas com a Argentina e Equador, respectivamente.

No início de novembro a 1ª Turma retornou ao tema, tendo igualmente decidido pela prevalência do Tratado Brasil-Espanha e impossibilidade de tributação no país do lucro da sociedade estrangeira (processo nº 12448.738575/2011-90, acórdão ainda não publicado), reafirmando, portanto, que o lucro da controlada do exterior não pode ser considerado como resultado próprio da sua controladora brasileira, não obstante os reflexos da equivalência patrimonial. Merece nota o fato de que os casos foram decididos pelo critério de desempate em favor do contribuinte.

Em suma, conforme destacado pelo acórdão 9101-005.809, restou reconhecido que o artigo 7º dos tratados equivaleria a uma “norma de bloqueio que impede a incidência regular da legislação doméstica (…), prevalecendo, assim, o disposto no pacto internacional”, de modo a afastar a incidência de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre esses resultados.

Relevante aspecto a se ter em conta é que os julgamentos abordaram fatos ocorridos na vigência do artigo 74 da MP nº 2.158-25/2001. Hoje o artigo 74 encontra-se revogado, sendo o regime de tributação dos resultados auferidos por controladas no exterior atualmente previsto pela Lei nº 12.973/2014. No entanto, o racional adotado pelo Carf no âmbito da MP igualmente estende-se ao contexto da Lei nº 12.973/2014, conforme explicamos a seguir.

Isto porque, seja pela anterior aplicação da MP como pelo atual regramento da Lei nº 12.973/2014, o rendimento passível de tributação no Brasil é aferido segundo os mesmos critérios: ao final do ano-calendário o contribuinte procede à conversão para o real da parcela equivalente ao lucro apurado pela controlada estrangeira em suas demonstrações financeiras e em seguida multiplica tal resultado pela participação da investidora brasileira no seu capital. O produto desta operação é então adicionado às bases do IRPJ e da CSLL. Este é o procedimento regulamentado pela IN SRF nº 213/2002, aplicável à MP nº 2.158-35/2001, bem como é o procedimento atualmente disciplinado pela IN RFB nº 1.520/2014 em relação à Lei nº 12.973/2014.

Apesar de a Lei nº 12.973/2014 ter apresentado certas inovações em relação à tributação de controladas estrangeiras (e.g. pelo atual regramento tributa-se tanto os lucros das controladas diretas como indiretas), tal norma alcança a mesma materialidade prevista no artigo 74 da MP, qual seja: tributação no Brasil dos resultados auferidos por controladas estrangeiras, independentemente de sua efetiva distribuição, de modo a tratar os resultados da controlada no exterior como se fossem resultados da própria controladora no Brasil.

A esse respeito, em trecho do voto vencedor no Acórdão nº 9101-005.809, o conselheiro Caio Cesar Nader Quintella foi assertivo ao afastar essa premissa adotada pelo fisco federal, assim como, aparentemente adotada pelo então artigo 74 da MP 2.158-35/2001. No caso, com propriedade consignou o conselheiro quanto aos lucros das controladas no exterior que “tais resultados positivos (lucros proporcionais) foram auferidos pelas próprias e individuais operações da entidade estrangeira, domiciliada na Argentina, apurados dentro de sua jurisdição fiscal e regras contábeis”.

Continuando em seu voto, esclareceu que “ainda que se entenda, na verdade, estar se tributando lucro da empresa residente no Brasil – conforme vem sido defendido pela Fazenda Nacional —, os fundamentos por trás de tal entendimento acabam permitindo que determinações domésticas, que simplesmente regulam aspectos da apuração da renda, contornem dispositivo abrangente de norma internacional, regularmente pactuada, válida e vigente, como também confere efeitos jurídico-tributários inflados e indevidos a simples método contábil, pontualmente jurisdicizado na avaliação de investimentos (Método de Equivalência Patrimonial), para então, desse modo, alcançar o lucro de empresa estrangeira, como se de nacional fosse – resguardado todo respeito e admiração àqueles que pensam diversamente: uma grande falácia”.

Nesse ponto, e já transportando para legislação atual, não podemos nos deixar confundir pelo fato de que a MP se valia do termo “lucros”, enquanto a Lei nº 12.973/2014 faz uso da expressão “variação do valor do investimento equivalente aos lucros” auferidos pela controlada estrangeira. Como visto, tanto à época da MP como na atual Lei nº 12.973/2014 o valor adicionado ao lucro real é efetivamente o resultado da empresa estrangeira apurado conforme suas demonstrações financeiras. Supor haver uma diferença redacional na Lei nº 12.973/2014 que a distinguiria do artigo 74 da MP – afastando, assim, o quanto decidido pela Câmara Superior —, seria admitir que o legislador ordinário pudesse, por via transversa, alterar as regras de repartição de competência tributária pactuadas por tratado internacional.

Se assim for, estaremos diante da esdrúxula situação em que qualquer tratado poderia ser desrespeitado por meio de sutil alteração no texto da legislação interna, fazendo letra morta o artigo 98 do CTN o qual, em redação extremamente feliz, determina a aplicação dos tratados mesmo sobre legislação doméstica superveniente, não obstante o status de lei ordinária que é conferido aos acordos e convenções internacionais em matéria tributária uma vez concluídos os procedimentos para sua produção de efeitos (publicação dos decretos legislativo e executivo).

Outro quesito a destacar refere-se ao fato de que a posição majoritária nos acórdãos em referência consignam que as regras nacionais de tributação dos resultados de controladas estrangeiras não se qualificam como norma anti-abusiva. Esse nuance é relevante, pois a Receita Federal patrocina tese segundo a qual a legislação brasileira seria espécie de norma Controlled Foreign Corporation rule (CFC), e como tal poderia ser aplicada sem que isto implique violação aos tratados internacionais. Para tanto, o fisco apoia-se nos comentários da OCDE ao seu modelo de convenção para evitar a dupla tributação.

Ocorre que, pela leitura dos referidos comentários ao artigo 7º da Convenção Modelo da OCDE, resta claro que a não aplicabilidade deste artigo ocorre tão somente no contexto de aplicação de normas anti-abusivas. Não é, porém, o caso da regra brasileira. O artigo 74 da MP nº 2.158-35/2001 bem como os atuais arts. 76 e seguintes da Lei nº 12.973/2014 aplicam-se sem distinção a todas as empresas brasileiras que auferem lucros no exterior por meio de controladas, independentemente da sua localização, substância ou tipo de renda auferida.

Alegar que a legislação brasileira seria espécie de norma anti-abusiva, equivaleria a presumir que todas as empresas brasileiras detentoras de investimentos em controladas no exterior praticam planejamentos fiscais abusivos, constatação que, naturalmente, não encontra correspondência na realidade de acordo com o nosso entendimento, pois subverte a lógica e impõe uma espécie de indevida presunção de abuso do direito ao planejamento tributário. A esse respeito, e posição a qual endossamos, restou consignado no voto vencedor do Acórdão nº 9101-005.809:

“Toda a argumentação trazida pela fiscalização, endossada e reforçada no acórdão recorrido, de que poderia tal dispositivo ser livremente aplicado, sem se chocar com a convenção para evitar a dupla tributação, firmada entre Brasil e Argentina, não se sustenta, vez que a excepcionalidade aceita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e toda a comunidade tributária internacional se baseia em normas CFC realmente destinadas a combater abusos e a erosão elisiva das bases tributáveis — e não a promover a arrecadação ordinária, à revelia das relações internacionais, como se apresenta no presente caso”.

Reputamos que as decisões em comento e posicionamentos que prevaleceram representam relevante marco para a jurisprudência do Carf, na medida em que buscou-se preservar as convenções bilaterais em matéria tributária firmadas pelo Brasil, assim como em relação à mais adequada interpretação das regras de TBU brasileiras. Nos próximos anos, casos similares deverão chegar ao tribunal administrativo, porém agora no contexto pós-MP nº 2.158-35/2001. Neste ponto, espera-se que o entendimento ora firmado nos precedentes recém expedidos pela Câmara Superior prevaleça também em relação à da Lei nº 12.973/2014.

Via Jota