As reformas da previdência bem-sucedidas começam muito antes da efetiva tramitação de propostas na Assembleia Legislativa. É o que a história conta e isso serve de baliza para essa segunda tentativa no governo de Carlos Moisés (Psl) de adequar a legislação previdenciária catarinense às mudanças promovidas na reforma federal feita no primeiro ano do governo Jair Bolsonaro (sem partido).
Santa Catarina está oficialmente em estado de reforma de previdência desde a semana passada, quando o secretário Eron Giordani (Psd), da Casa Civil, levou o pacote formado por uma proposta de emenda constitucional (PEC) e um projeto de lei complementar para o presidente da Assembleia Legislativa, Mauro de Nadal (Mdb). Na terça-feira, a PEC teve a admissibilidade aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), primeiro passo de sua tramitação formal.
Dentro das regras legislativas, está tudo certo. Na prática, o governo perdeu um ano e meio de pré-construção da reforma e isso será um desafio a mais para aprovar os textos com a menor redução possível de danos – leia-se, pressões corporativas e emendas oportunistas. Santa Catarina fez duas grandes reformas da previdência nos últimos 13 anos. Ambas começaram sua construção muito antes de aportarem no Legislativo.
Em 2008, o governo de Luiz Henrique da Silveira (Pmdb) trouxe de volta ideias que estavam adormecidas desde o início dos anos 1990, quando o então governador Vilson Kleinübing (Pfl) fracassou na tentativa de reformar a previdência estadual dentro de um pacote de medidas que limitavam direitos do funcionalismo. Boa parte do pacote passou, inclusive questões como o fim da aposentadoria de parlamentares, mas a reforma em si bateu na trave.
Quem tocou a reforma de 2008 foi Antonio Gavazzoni, na época Secretário de Administração, ainda uma estrela ascendente na máquina do Estado. Ele tocou 36 audiências públicas regionais antes de encaminhar o texto para o parlamento. Experiência de que assistiu pelo menos uma delas: eram tensos encontros em que Estado e funcionalismo lavaram a roupa suja de décadas de descaso com a previdência catarinense.
Desgastantes, conflituosas, pouco efetivas, mas que tiveram importância naquele momento. O projeto chegou calejado ao parlamento e foi aprovado mais ou menos como queria o governo. A principal modificação era a chamada separação das massas: funcionários que ingressassem a partir de 2008 teriam suas aposentadorias bancadas por um fundo novo, apartado do déficit financeiro gerado pelos benefícios pagos a quem estava no sistema antigo.
Em 2015, no governo de Raimundo Colombo (Psd), a mudança foi maior – e, na prática, precisou desfazer a de 2008. Antecipando-se ao movimento de reformas de previdência, quando o tema ainda não estava na moda, o pessedista foi até praticamente o limite do que a legislação nacional permitia. A alíquota paga pelos servidores passou de 11% para 14% e as condições de aposentadoria foram igualadas – para funcionários que ingressassem após 2015 – aos da iniciativa privada. Ou seja, o teto da aposentaria foi igualado ao do INSS na faixa dos R$ 5,5 mil e quem quisesse receber mais teria que contribuir com um fundo complementar em que o Estado também daria contrapartida. Um novo fundo que para sair do papel levou à extinção daquele criado em 2008.
Essa segunda reforma também foi capitaneada por Gavazzoni, secretário da Fazenda e tido como primeiro-ministro do governo Colombo. A estratégia, no entanto, foi completamente diferente. Em vez de 36 desgastantes audiências abertas ao discurso sindical, quase um ano de conversas com poderes, entidades e até setores da imprensa para construir unidade no discurso sobre a necessidade da ampla reforma. A fase de enfrentar o sindicalismo ficou para a etapa legislativa – com direito a tropa de choque da Polícia Militar isolando o plenário no dia da aprovação, na última sessão do ano.
A reforma da previdência nacional foi promulgada pelo Congresso Nacional no final de outubro de 2019, dando a largada para que Estados e municípios fizessem as adaptações necessárias – e possíveis. Ela trazia as idades mínimas para aposentadoria de trabalhadores privados urbanos e servidores federais – 65 anos para homens e 62 para mulheres, com idade menor para professores e policiais federais. A proposta aprovada não incluiu os militares, destacados para uma reforma própria aprovada pouco depois, com as mesmas regras contemplando policiais e bombeiros estaduais.
Está embutida nessa questão definida na articulação entre Planalto e Congresso a discussão mais estridente da reforma estadual de Moisés. A Polícia Civil não aceita as regras diferentes e mais brandas para aposentadoria dos militares gestadas em Brasília. Querem os mesmos benefícios, que atingem até a alíquota: 14% para civis, 10,5% para a PM e Bombeiros. O governo diz que está limitado por legislação federal. A base governista – com o Psd da reforma de 2015 à frente, diz que está disposto a votar o texto como veio do Centro Administrativo.
A reforma da previdência de Moisés foi prejudicada pela pandemia e pela crise política dos processos de impeachment. Chegou na Alesc pela primeira vez no final de 2019, tímida, sem empenho real do governo – que não queria viver desgastes naquele momento ainda de lua de mel com o poder. Acabou precisando tirar a proposta de tramitação por ter sido desconfigurada a ponto de causar mais gastos do que se nada fosse feito. Voltou para a gaveta de onde saiu após Moisés dar fim ao capítulo dos impeachments.
Atual primeiro-ministro, Eron Giordani é o rosto da reforma desta vez. Tentou fazer em poucas semanas aquilo que Gavazzoni fez em um ano. Não é à toa que a reforma inicia sua tramitação oficial bombardeada por nota conjunta das associações dos magistrados, defensores públicos estaduais, procuradores do Estado e fiscais da Fazenda. Faltou conversa prévia, algodão nos cristais. Nas reformas da previdência, ensina a história, o barulho vem de categorias volumosas, mas as verdadeiras pressões e desafios estão no olimpo do funcionalismo. E lá, ainda há arestas a acertar.
Via Upiara Online