Esquema praticado por grupo de empresários especializados em comércio internacional consiste na ocultação do real importador para quebrar a cadeia do IPI e sonegar pagamento do tributo

Um grupo empresarial especializado em importar produtos e vender pra si mesmo, com o objetivo de reduzir pagamento de impostos para beneficiar redes de lojas, foi o principal alvo de uma operação da Polícia Federal e da Receita Federal na manhã desta terça-feira. Com sede em Porto Alegre, o grupo utilizava uma filial em Itajaí, cidade do litoral catarinense, não apenas para receber as mercadorias através do porto, como também para aproveitar créditos de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) fornecidos pelo Estado vizinho, lesando os cofres do Rio Grande do Sul.

Investigado há três anos, esse grupo criminoso foi responsável pela importação de mais de US$ 300 milhões em produtos neste período. Desse valor, pelo menos US$ 200 milhões seriam fruto de fraude.

Mais de 50 empresas, entre atacadistas e varejistas que comercializam produtos importados, são suspeitas de adquirem mercadorias de outros países com custo menor através desse grupo empresarial. Dessas, 29 são responsáveis por 90% do volume de negócios. Nesta terça, quatro empresas foram alvo de busca e apreensão — com sedes em Porto Alegre, Cachoeirinha, Guaíba e Eldorado do Sul, atuam no ramo de roupas, acessórios, medicamentos, eletrodomésticos, entre outros — a fim de recolher documentos que comprovem o esquema.

— Tudo leva a crer que (essas empresas) participavam de forma voluntária e consciente (do esquema criminoso). Além de receber vantagem por pagar menos pelos produtos importados, geravam concorrência desleal no mercado — afirma o delegado Alexandre Isbarrola, chefe da Delegacia de Repreensão a Corrupção e Crimes Financeiros da PF.

Uso de distribuidora “laranja”

Conforme as investigações, uma empresa do grupo importava mercadorias e as vendia para uma distribuidora que seria, na realidade uma espécie de “laranja“, já que pertence ao próprio grupo e tem, inclusive, os mesmos endereços e sócios da importadora. Como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incide sobre a venda da mercadoria, o grupo vendia para si mesmo para essa empresa laranja, por um preço baixo, gerando imposto menor, para depois destinar os produtos para os reais importadores, que seriam, segundo a PF, as lojas.

Embora a matriz seja em Porto Alegre, esse grupo mantém filiais em Itajaí para se beneficiar de créditos de ICMS fornecidos pelo governo catarinense. Por isso, embora a venda real dos importados fosse a empresas gaúchas, o Estado do Rio Grande do Sul não obtinha o tributo devido, já que quem figurava junto à Receita era a distribuidora “laranja”. Além de Itajaí e Porto Alegre, o grupo também mantém filial em Novo Hamburgo, para atrair empresas do Vale do Sinos.

— A loja poderia, assim, tanto obter margem de lucro maior, comprando por menos e vendendo pelo mesmo preço final, ou então reduzir o valor do produto final, já que pagou menos, o que gera concorrência desleal com outras lojas — explica Paulo Renato Silva Paz, superintendente da Receita Federal.

Segundo ele, esse sistema fraudulento prejudica também o consumidor, já que o comerciante de quem ele efetua a compra passa a ter menos responsabilidade por eventuais danos. Isso porque ele deixa de ser importador (pois comprou de uma empresa nacional, que é a laranja) e passa a ser um terceiro de boa-fé em relação a qualquer irregularidade na importação do produto.

Também há indícios de que produtos importados eram subfaturados, o que leva a pagamentos mais baixos de impostos, configurando crime de descaminho, além de ser um incentivo a evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

— Por exemplo, a empresa importadora comprava um produto por R$ 100, mas declarava venda de R$ 30 à loja. Assim, paga IPI sobre os R$ 30 — exemplifica Paz.

Serviços oferecidos pela internet

O grupo empresarial, que possui um site em que “escancaradamente” expõe sua forma de atuação, segundo o superintendente da Receita, oferece serviços diversos: “consultoria, importação, exportação, comércio e distribuição de mercadorias, soluções logísticas e fundo de investimentos”, como ela mesma informa.

Ninguém foi preso até o momento. Os investigados responderão pordescaminho e evasão de divisas. Como a investigação envolve quebra de sigilo bancário, a PF e a Receita Federal disseram que não podem divulgar o nome das empresas envolvidas. Em entrevista coletiva, os órgãos ressaltaram que o valor do dano causado aos cofres públicos ainda depende de apuração, mas a multa a ser aplicada deve ser o dobro do valor das importações irregulares, ou seja, pode ser de pelo menos US$ 400 milhões.

— A investigação continua. Esperamos apontar e comprovar todos os envolvidos — disse o delegado Isbarrola.

Nome da operação

Batizada de Elipse, a operação se refere à figura de linguagem que consiste na omissão de um ou mais termos de uma oração, sendo que estes são facilmente identificados a partir do contexto do texto.

 

Via Zero Hora